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“Queremos a igualdade para todas as minorias sexuais de Angola”

Íris Angola

Angola vive novos tempos no que respeita à vontade de querer melhorar a situação das pessoas LGBTI naquele país. O dezanove.pt entrevistou dois responsáveis pela associação Íris que quer dar voz, espaço, participação e direitos às minorias sexuais na sociedade angolana. Falamos com Carlos Fernandes, de 32 anos, e com Paula Sebastião, de 27 anos, dois dos responsáveis pela associação.

 

 

dezanove: Quando começou e quais os objectivos da Íris Angola?

Carlos Fernandes e Paula Sebastião: A associação Íris Angola surgiu da necessidade clara de se criar um espaço onde a comunidade LGBTI angolana tivesse uma voz. Foi no âmbito do projecto PROACTIVO do PSI que, em 2013, surge a ideia de criação de uma Associação LGBTI em Luanda.

Os nossos objectivos são contribuir para um futuro em que as minorias sexuais tenham espaço, voz, participação e direitos na sociedade angolana. Daí ter-se criado a Íris, que ainda tem um longo caminho a percorrer para que essa igualdade exista na nossa sociedade.

 

Quem faz parte da Íris Angola?

A Íris é composta por diversas camadas da população angolana, daí ser uma associação tão única e especial. O seus membros fazem partes de classes sociais diferentes, de backgrounds académicos diferentes e por vezes de províncias diferentes mas, uma coisa lhes é comum, todos fazemos parte da comunidade LGBTI luandense.

Formação de Educadores de Par - Projecto Linkage

Que iniciativas têm desenvolvido?

A Íris tem desenvolvido mais projectos ligados a área de VIH/SIDA por ser esta umas das áreas com mais financiamento e que permite, de certa forma, a inclusão das minorias sexuais. Contudo, os nossos objectivos a longo prazo vão para lá do VIH/SIDA. Compreendemos a necessidade de educar e sensibilizar a comunidade daí  termos como objectivos workshops educativos e outras actividades que permitam à associação e aos seus membros a aquisição de novos conhecimentos.

Um dos nossos projectos actuais inclui clínicas móveis para efectuar testes ao VIH/SIDA para os membros da comunidade e não só, trata-se de um projecto de sensibilização.

 

Íris Angola

Que iniciativas futuras gostariam de realizar?

O nosso objectivo a longo prazo é ter um centro onde vários workshops e cursos  possam estar disponíveis. Um local onde a comunidade, maioritariamente desempregada possa ter acesso a  cursos profissionais como informática, inglês e todos os outros que sejam possíveis, que lhes permitam ter acesso a um primeiro emprego melhorando a sua condição de vida. Tratar-se-ia também de um centro de apoio (sítio/refúgio) a que os membros da comunidade afectados pela violência em casa, namoro ou rejeitados pelos familiares tenham onde se dirigir.

 

Lançaram recentemente um questionário sobre condições de vida da comunidade LGBT em Angola. O que é mais urgente resolver a nível legal sobre Direitos das pessoas LGBTI em Angola?

O questionário foi elaborado na senda do relatório anual sobre a situação da comunidade LGBTI em Angola, não se aproximando, nem de perto, do levantamento de dados que pretendemos fazer. Temos como objectivo a elaboração de um levantamento rigoroso e detalhado  sobre as condições de vida da comunidade. Quanto à questão legal o nosso objectivo é a criação de uma lei que proteja na íntegra os direitos das minorias sexuais. Temos plena consciência  que para alcançar esse objectivo, pequenos e concretos passos devem ser dados. Como é o caso da criminalização da homofobia, de forma a garantir pelo menos a protecção das minorias contra qualquer tipo de violência verbal e física seja salvaguardada legalmente .

 

Para quando uma marcha do Orgulho LGBTI em Angola?

Não tão cedo. Infelizmente caminhamos lentamente para esse fim, uma demonstração disso é a nossa presença todos os anos na Marcha de VIH/SIDA que acontece todos os anos no fim de semana mais próximo da data que é dia 1 de Dezembro. Este ano, a marcha foi realizada no dia 28 de Novembro. A Íris, para além de um espaço durante a marcha, vai ter também uma tenda com panfletos de sensibilização do VIH/SIDA.  Temos confirmado a presença da comunidade todos os anos criando quase um espaço obrigatório de visibilidade da mesma em eventos como estes.

 

Que figuras públicas têm ajudado à evolução das mentalidades em Angola?

Existem inúmeras figuras públicas que têm dado grande visibilidade a situação da comunidade LGBTI. Podemos citar os nomes mais conhecidos tais como Paulo Pascoal, Titica, Immani da Silva , Swyla Alexandra, Nízer Mértula e muitos outros. Graças a eles um debate sobre a situação dos homossexuais e transgéneros tem tido espaço nos meios de comunicação social.

Formação de Conselheiros no centro Kilamba Kiaxi

A comunidade LGBTI angolana está devidamente informada sobre o VIH? Há apoios para as pessoas que vivem com o vírus? Qual o retrato da situação?

Esta é sem dúvida um das nossas maiores lutas: a sensibilização da comunidade quanto a questão do vírus VIH/SIDA. Hoje, graças a vários parceiros da Associação, os HSH [homens que têm sexo com homens] já estão incluídos no programa nacional de VIH e várias organizações têm trabalhado na sensibilização, mapeamento e pesquisa de dados de trabalhadores de sexo que incluem também transgéneros. Por isso, grande parte dos nossos projectos tem como objectivo uma maior sensibilização, testagem e pesquisa de dados sobre a situação da comunidade quanto ao vírus VIH/SIDA.

 

Que mensagem querem deixar à comunidade LGBTI angolana?

Questões sobre a orientação sexual e identidade de género não são de todo importações do Ocidente como grandes fundamentalistas religiosos argumentam, na verdade, em várias práticas sexuais e expressões africanas existem a realidade de casamentos de pessoas do mesmo sexo e a existência de pelo menos travestis. Existem vários estudos que fornecem  evidências históricas para a existência da homossexualidade na época pré-colonial africana. Só a título de exemplo, no Quénia os Meru acolhiam homens (mugawe) que se vestiam como mulheres e que às vezes casavam com outros homens. Em Angola, o casamento entre dois homens eram honrados  e homens que se comportavam como mulheres chamavam-se chibados. Existe um longo caminho de estudo da realidade LGBTI africana, na qual a íris quer fazer parte não só para entender mas para reeducar a sua comunidade. Por isso, a nossa mensagem é clara: queremos a igualdade para todas as minorias sexuais de Angola, essa igualdade não passa só pelo reconhecimento dos nossos direitos mas também pela reeducação e examinação da nossa própria  história. É essa a nossa visão e luta.

 

Entrevista de Paulo Monteiro