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Paulo Pascoal: "Reagi ao facto de não querer ser obrigado a viver uma mentira"

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É difícil destacar algo de um percurso profissional tão vasto como o de Paulo Pascoal, angolano, cidadão do mundo, de 32 anos anos e possuidor de uma energia e sorrisos contagiantes. Por isso deixamos essa resposta para ele.

Podes não ter reconhecido este autêntico camaleão dos palcos, mas ele já marcou presença várias vezes na TV portuguesa: "Voo Directo", "Depois do Adeus" onde foi Filipe,  e na telenovela nomeada para um Emmy "Windeck", onde até desempenhou um personagem homossexual. Dono de um corpo de fazer suster a respiração (vídeo abaixo), dá cartas no mundo da moda e em campanhas publicitárias há vários anos. Actualmente está a redescobrir o prazer da escrita e a aguardar a publicação de um livro seu para breve. 

Apesar de estar envolvido em tudo isto, Paulo Pascoal ainda arranja tempo para não ficar alheado do activismo em prol dos Direitos LGBT. Partindo da sua experiência pessoal, Paulo quer "ajudar outros homossexuais a perceberem que perdem mais do que ganham enquanto não se assumirem para si, em primeiro lugar, e depois para os outros" e reconhece a existência e a resistência de um enorme lobby gay em Angola, país onde ainda há muito por fazer pela igualdade das pessoas LGBT. 

Paulo Pascoal em discurso directo para ler no dezanove.pt:

 

dezanove: O que destacarias do teu vasto e multifacetado percurso profissional? Em que área te sentes mais completo?

Paulo Pascoal: Ser o primeiro angolano a editar um álbum de estúdio em inglês, ter actuado na Broadway, ter feito a minha primeira campanha internacional para a Swatch, ter participado como dançarino em videoclips americanos, os filmes e séries nos Estados Unidos e no Canadá e, em Portugal, ter sido escolhido para a brilhante série “Depois do Adeus”, são momentos que marcariam o percurso profissional de qualquer performer. Tendo tido uma carreira tão diversificada fica difícil de escolher um campo artístico. Na realidade, sinto-me mais completo como criativo, sou um criativo, acho presunçoso considerar-me um artista, porque ainda estou à procura de uma linguagem que expresse o que sou em plenitude. Como sou muito exigente comigo (e um pouco preguiçoso, confesso) ainda tenho muito trabalho pela frente (risos). Tenho vindo a recolher belíssimas experiências em áreas diferentes, mas canso-me das coisas com facilidade e preciso de desafios constantes. Contudo, sempre tive muita sorte em fazer tudo o que quis e gosto de fazer, por isso estou grato por todas as oportunidades que me vão chegando até agora, quer como performer ou em qualquer outra vertente artística.

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O que tens feito profissionalmente em Portugal? E lá fora?

Vivo dividido entre Nova Iorque, Lisboa e Luanda. Neste momento, apesar de estar temporariamente em Portugal para tratar de burocracias, continuo a trabalhar mais com o estrangeiro. Na verdade, o estrangeiro aqui sou eu, o mercado para mim é mais limitado. Faço muitas coisas, desde produção de eventos, composição musical, estou a escrever um livro, cedo a voz para spots publicitários e desenvolvo campanhas de responsabilidade social. Trabalho como “facilitador” de organizações que se querem implementar em Angola, escrevo para várias plataformas de informação e entretenimento e neste momento estou a aproveitar para me dedicar à descoberta da escrita criativa, na Faculdade de Letras de Lisboa.

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Num artigo da Maria Capaz consideraste-te um activista, qual é o teu activismo? 

Sim, considero-me um gaynimista. O meu tipo de activismo é um humilde contributo para a mudança que quero ver no mundo, um mundo em que não se falam de minorias, não se apontam as diferenças de raça, de género e de orientação sexual. Um mundo em que se acredita na soberania da arte e na igualdade dos direitos humanos. Tive a honra de conhecer a deputada do PS, e grande defensora das comunidades LGBT, Isabel Moreira, através de um dos grandes bailarinos e coreógrafos portugueses deste tempo, Luiz Antunes, e assim surgiu o convite da Rita Ferro Rodrigues para expor um pouco mais do que é a minha realidade. Tenho consciência que ser gay não assumido durante anos me sabotou inúmeras oportunidades, ao longo da minha vida. A minha luta agora é ajudar outros homossexuais a perceberem que perdem mais do que ganham enquanto não se assumirem para si, em primeiro lugar, e depois para os outros. Sobretudo em África, onde a comunidade LGBT continua a viver sob forte retaliação e preconceito. No último ano, por exemplo, tenho estado a “cozinhar” o documentário “Dreams of Peace” (Sonhos de Paz) que será um dos projectos da organização não governamental Peaceful Nation, que quero lançar em breve. A Peaceful Nation pretende ser uma plataforma de sensibilização para os direitos humanos, com um grande enfoque na questão da educação das crianças para a diversidade.
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Quais as maiores diferenças entre a realidade portuguesa e angolana, respeitante aos direitos LGBT?

As maiores diferenças devem-se ao facto de Angola ser uma nação profundamente “católico-militar”, onde ser homossexual é visto como contracultura e pecado. Em Portugal já foram feitas algumas alterações na Constituição e em Angola ainda não se mexeu em nada. Isso não quer dizer que não se celebrem uniões entre homossexuais, mesmo não sendo legal. Já há casos de pessoas que, por exemplo, foram casar à África do Sul, o único país de toda a África a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em Angola já se geraram várias discussões sobre os direitos LGBT, infelizmente a posição dos partidos que governam não é nada favorável. Acredito que, enquanto o MPLA estiver no poder a comunidade não sofrerá atentados, mas temo pelo futuro, caso seja dado o poder a outro dos partidos que se manifestaram declaradamente homofóbicos. Infelizmente há partidos a defenderem a criação de campos de concentração para gays e outros, se estivessem no poder, iriam impor as consultas de psiquiatria para “curar” os gays. Já existem algumas organizações no país, umas fazem campanhas de sensibilização para deter o alastramento do VIH/SIDA. Neste aspecto, os censos do ano passado registaram mais de 350 mil pessoas infectadas com o vírus, sendo que apenas 5% das mesmas são homossexuais. Outras organizam convívios GLS e debates sobre causas que interessam à comunidade para mantê-las informadas e seguras. Mas a par de todo o preconceito que ainda se vive, convêm referir que graças a uma postura mais liberal de uma ala do MPLA, Angola tem uma miss transexual [Imanni da Silva] que competiu em pé de igualdade com outras mulheres, temos uma cantora transexual que está perfeitamente enquadrada na sociedade e é considerada uma diva nacional. Se olharmos para a África Austral estamos rodeados de países que criminalizam a homossexualidade, ao menos em Angola não é considerado crime.

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Um beijo entre dois homens numa novela angolana criou imenso burburinho, discussões e a novela foi suspensa durante uns dias. Como assististe a esta história?

Eu entendo a intenção da produção da Semba Comunicação de expor neste projecto, "Jikulumessu", diferentes retratos de acções da nossa sociedade. Infelizmente muitos dos casos ficcionados são mais comuns e reais do que queremos admitir. A corrupção, a violência, a prostituição, o uso de drogas são factores que têm alarmado o mundo pela forma como rapidamente se alastram a redes de tráfico, muitas delas que têm as crianças como principais vítimas. Não considero que a homossexualidade pertença à categoria do crime, e não vou ser condescendente com a censura, porque neste caso em particular, vai ajudar a vincar os preconceitos e a reforçar a homofobia. Por isso quando soube do beijo gay considerei-o aprazível. Pensei naquele rapaz confuso, que se está a descobrir e que não se consegue identificar entre os amigos, para esse rapaz, que são milhares deles, aquele beijo foi um acto de reconhecimento, foi a demonstração que existem mais pessoas como ele no mundo. É indiscutível a validade daquele beijo, porque pôs as pessoas a pensar e, certamente, despertou mais algumas consciências. Quanto à suspensão da novela, é algo que não vejo com bons olhos. A mesma novela apresentou uma cena em que uma jovem foi brutalmente violada por um grupo e isso não foi censurado, mas um beijo “bate-chapa” entre dois homens é censurado? Para mim não faz sentido. É uma chamada urgente para a realidade do mundo em que vivemos. A violência é aceite e o amor repudiado.

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Que medidas seriam necessárias para Angola se tornar um país mais avançado no que diz respeito à integração das pessoas LGBT?

Angola tem um enorme lobby gay e gostava de ver mais activismo por parte dos mesmos, mas acredito que depois de 30 anos de guerra as pessoas não se queiram envolver noutra guerra. A questão dos direitos LBGT no mundo ainda é bastante sensível, não é só em Angola. É preciso saber respeitar o processo natural das coisas e ter muita prudência na altura de agir. Se eu hoje falo abertamente sobre a homossexualidade e se sou mais activo sobre a causa é porque senti a minha vida ameaçada e reagi ao facto de não querer ser obrigado a viver uma mentira. Se essa verdade for comum a mais pessoas então é aí que surge o lema: “A união faz a força”. A meu ver, uma das principais medidas seria criminalizar o preconceito em relação aos homossexuais como uma violação dos direitos humanos.

 

Qual o papel das celebridades LGBT na luta pelos seus direitos? Achas que ainda existem muitas celebridades portuguesas escondidas no armário? Que conselhos lhes darias?

Celebridades ou não, se não nos aceitarmos como somos e não conseguirmos honrar todas as especificidades que nos tornam, a cada um de nós, seres únicos, jamais iremos saber como é viver o nosso propósito de vida na íntegra. Imagine se todos os gays fossem verdadeiros e honestos consigo próprios, que impacto teria isso na sociedade?

 

Crédito das fotografias: Roger Mor

 

 

Entrevista de Paulo Monteiro  

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