Com uma vitória clara da abstenção, com invisuais sem acesso a boletins em braille, pessoas de mobilidade reduzida, sem acessos válidos para chegar às urnas, ao passo que os/as mais jovens não votam devido à sua inércia descontente, sinto que passei mais tempo a reflectir no pós-eleições, do que propriamente no dia que antecedeu a votação.
Sou mulher e parece-me que muita gente ainda acredita que eu não deveria sequer escrever sobre assuntos “que não me dizem respeito.” Era tudo tão mais fácil quando estávamos remetidas à cozinha, ignorantes, caladas, em meio à escuridão das tiranias. Procuro sempre não me estender, quase como se quisesse que o meu texto coubesse numa mensagem de telemóvel, cheia de abreviaturas, no entanto, falho sempre e redondamente.
No dia 23 de Setembro, tive um debate online, sobre questões LGBTIQ+ (eu sei, são muitas letras, ninguém quer saber disso). Éramos cinco pessoas, duas mulheres e três homens, para além da moderadora. Equilibrado, portanto. Entre quem estava presente, havia quem não tivesse uma única proposta, nem sequer dominasse o tema, como se fôssemos para um debate sobre Economia e não soubéssemos, sequer, o que era o PIB ou o IRC (tantas letras, que confusão). Houve quem dissesse que a tal comunidade LGBTIQ+ era privilegiada e que tinha mais direitos que os outros membros da sociedade (ainda me estão a ler? Tenho pressa de dizer tudo, de estimular questionamentos, embora não me queira alongar). A voz até se me embarga quando falo disto, por saber da solidão e dos inúmeros casos de suicídio entre pessoas trans; das relações difíceis com a família, quando uma mulher assume uma relação lésbica; ou quando ouvimos na rua “olha o paneleiro, que nojo que me mete.”
Tenho pressa de dizer tudo, de estimular questionamentos, embora não me queira alongar). A voz até se me embarga quando falo disto, por saber da solidão e dos inúmeros casos de suicídio entre pessoas trans; das relações difíceis com a família, quando uma mulher assume uma relação lésbica; ou quando ouvimos na rua “olha o paneleiro, que nojo que me mete.”
Discursos perigosos, larachas de café, que apelidam o primeiro-ministro de “monhé”. Não percebo o ódio que lhe têm, apesar de não votar PS. Entre cervejas, homens brancos disparam histórias que repetem de cadeira em cadeira, sem confirmarem as fontes. Como não há rasto, não se atesta a veracidade das mesmas. Podem não ter nascido nos ditos berços de ouro, porém não deixam de ser homens, brancos, heterossexuais, portugueses, que correspondem à norma mais tradicional da nossa cultura. Já se sentiram discriminados? Foram olhados ou apontados na rua, pela cor da pele, pela sua orientação sexual, por usarem uma mini-saia e “estarem a pedi-las?” Muito provavelmente não. Podem ter vivido os últimos nos da ditadura fascista, sem que sentissem a sua liberdade beliscada, por isso desconhecem os sinais que mostram o crescimento de um discurso populista e neo-fascista. Política sem propostas, que ignora diversos temas, em particular os que dizem respeito às minorias, e que sobrevive às custas de discursos que martelam as mesmas ideias, gritadas ao microfone, apelando ao nosso lado que aguarda o Messias, tal como há séculos atrás, quando tantos diziam e fingiam ser o nosso D. Sebastião. Contudo, quem falha em descodificar esses sinais, não se importa que tenhamos gente despreparada e mal-intencionada a tomar o poder (mesmo com todos os vídeos fornecidos pelo Ricardo Araújo Pereira, porque “vá lá, não é assim tão mau”; talvez também não saibam que o partido Nazi nunca teve uma maioria absoluta e que o cargo de chanceler foi “oferecido” a Adolf Hitler, achando-se que o parlamento iria conseguir “controlá-lo”. Enganaram-se.
Já se sentiram discriminados? Foram olhados ou apontados na rua, pela cor da pele, pela sua orientação sexual, por usarem uma mini-saia e “estarem a pedi-las?”
Estou a alongar-me, eu sei, é por isso que o meu discurso não pode nunca ser populista, pois não consigo despejar frases feitas e pequenas ideias repetidas. É como refere Paulo Côrte-Real, “existem 28 mulheres em 308 câmaras e isto deveria chocar,” por revelar o atraso que ainda enfrentamos, em matéria de género. Ora, mas ninguém quer saber disso. “Somos todos iguais, já se sabe, para quê debater estas questões em aulas de cidadania?” Pois, mas como dizia o meu amigo Tomás Barão, na noite das eleições, “relativamente a direitos humanos, não imaginei que voltaríamos a ter de discutir o óbvio.”
E os tais homens, à volta da mesa do café, até são “pessoas de bem”, têm famílias, pagam os seus impostos, recebem salários baixos perante uma vida inteira de trabalho, mas repetem estas ideias pré-fabricadas, as velhinhas questões do “nada contra os maricas, até tenho vários amigos”, “os pretos também são racistas”, “a minha mulher tem sorte, que eu não lhe bato”, “os subsídios vão todos para os ciganos”.
E que faço eu, na mesa ao lado? Ignoro? Fujo? Debato?
Serei uma contra muitos.
Farta de levar com condescendências, deixo para outro dia e saio dali a pensar que os homens do café terão votado, irremediavelmente, mal.
Márcia Lima Soares, Candidata à Assembleia de Freguesia de Palmela pelo Bloco de Esquerda
2 Comentários
Zé Onofre
Boa noite, Márcia
Não me irei alongar por todas as questóes que abordou, correria o risco de ser mais longo o comentário que o “artigo”.
Vou-me centrar nos jovens descontentes que ficam em casa confortavelmente abstencionistas.
1º – A culpa seja talvez da minha geração que fez o 25 de Abril. Não dissemos suficientes vezes que o direito de votar custou muita dor, sangue e mortes.
2ª – Nunca os esclarecemos devidamente que, o que foi conseguido com o 25 de Abril se 1974, foi feito em “unidade e solidariedade” e não no salve-se quem puder. Se tenho trabalho, mesmo sem direitos e por padrões de salários baixíssimos, estou muito melhor que os meus colegas de geração.
3º – A chamada esquerda, e não falo da esquerda da direita de que o PS é o exemplo, deixaram-se enrolar num jogo eleitoral que está viciado, pela imprensa, pelos opinadores que são quase sopram sempre do mesmo lado.
4º – Os partidos de esquerda, na minha opinião, deveriam dedicar mais tempo a esclarecer os assalariados que não por usarem pastas da Regisconta, computadores portáteis, trabalharem em salas de ar condicionado, não deixam de ser assalariados, qual colaboradores quais quê.
5º – Informá-los que se a geração que fez o 25 de Abril conseguiu os direitos, a que muitos deles chamam regalias, o conseguiu com unidade, solidariedade, companheirismo e muita luta, que não ficamos à espera que as coisas nos caíssem no colo como dádiva dos senhores do Capital.
6ª – Poderá ser que este esclarecimento não os leve a votar nos actuais partidos de esquerda mas poderá levá-los a lutar por uma sociedade mais solidária, inclusiva, menos racista, menos xenófoba, mais respeitadora de todas as minorias, mesmo daquela maioria que são as Mulheres, mas que são menorizadas.
Desculpe o espaço que lhe ocupei.
Que viva Spartakus.
Zé Onofre
Anónimo
Sei que não tem nada a haver com o texto escrito acima mas gostaria de partilhar aqui uma história real, sou lésbica assumida. Outro dia o meu filho que adora informar o povo que tem duas mães explicou.me que numa brincadeira do faz de conta, a sua colega e amiga fez de conta que era sua irmã e tinha uma namorada e a história continua..o mais giro foi que surgiu me a questão, será que a colega e amiga do meu filho ter se ia expressado desta forma com outros meninos? Acho que sim, talves não com todos, mas com os mais chegados! Agradou me a ideia de se sentir a vontade para libertar possíveis descobertas, curiosidades ou até inclinações! A liberdade tbm está nisto, no escolher de Amizades que tambem se adequem aos nossos interesses comuns. Não vejo a extrema necessidade de replicar o 25 de abril nas escolas mais do que já é sublinhado mas, na conjectura atual, devemos dar exemplos de liberdades atuais. Na minha altura (mais nova) incluiam.me na geração rasca porque não seguiamos os mesmos caminhos. Há um constante evoluir e o abstencionismo hoje ainda mais evidenciado é uma forma de agir não creio ser só por mera resignação, preguiça ou indiferença. Vivemos atualmente num grande mar de ideias, ideologias, pedagogias completamente contrastantes, escolas inclusivas onde o aluno como por ex com autismo é indiscriminado pelos colegas que não fazem a menor ideia do que padece ou como o podem ajudar…há muitas falhas, muita incompreensão mas a criançada e os jovens já estão há anos nestas escolas inclusivas que não discutem e informam os colegas, os compinchas..e até os próprios professores…vivemos em democracia voila. Agora voltando ao tema do abstencionismo, talves a orientação social não esteja a ter sucesso com as diretrizes educacionais mais apropriadas!?! Vejamos o caso das vacinações relativo ao COVID-19, tantas pessoas foram vacinadas…poderia haver abstencionismo, e claro que há! Mas resultou a estratégia aplicada para as pessoas de em vacinadas…ok não aplicar estratégias similares relativo as votações? As autarquias deveriam ter mais dinâmicas privativas neste domínio e acho k fazem o mesmo k todos os outros países ditos democraticos…ficar a espera do que? Onde está a aplicabilidade orientacional educativa? Estamos a espera que chova com certeza?
Obgda