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“Ser ou não ser? Eis a questão!” a tão célebre frase da autoria de Shakespeare que vem a assombrar a minha mente há vários anos. Parece ser uma questão de resposta fácil, porém a dificuldade começa a surgir quando decidimos que queremos SER, mas desconhecemos por completo aquilo que SOMOS ou que devemos SER.

Desde tenra idade que me lembro de procurar uma resposta; O QUE É QUE EU SOU? Toda a minha infância foi coberta por sentimentos e desejos que não compreendia, a boa verdade ainda hoje, em adulto, não sei realmente se compreendo. Desde cedo que descobri o meu gosto por coisas que não são para “meninos”, como, por exemplo, as bonecas de trapos da minha mãe, as Barbies das filhas das colegas da minha mãe, ou mesmo as botas de saltos altos da minha mãe (que original!). Tudo isto eram coisas que me traziam imensa alegria, mas que traziam alguma vergonha aos meus pais, mesmo que nunca me tenham impedido de brincar com essas coisas.

Desde tenra idade que me lembro de procurar uma resposta; O QUE É QUE EU SOU? 

Claro que com o início da escola também começou a vergonha de ser descoberto, então as bonecas deixaram de fazer parte do meu dia a dia…foi aí que comecei a ser a minha própria boneca, depois do banho usava a toalha de me secar ao torno do meu corpo como se fosse um vestido e assim, por uns efémeros instantes, vivia a minha fantasia.

Outra fantasia que vivia regularmente era ao brincar “aos pais e às mães” eu era sempre a “mãe” (e o mesmo menino era sempre o pai comigo!) e durante muito tempo assim foi. Mas, ainda mesmo na primária, fomos ficando demasiado velhos para brincar a isto e foi nessa mesma altura que o bullying começou, foi nesta altura que tive de começar a esconder o que queria SER, a “mãe”, isto se eu quisesse sobreviver…por muitos anos tive de “viver” desta forma…SOBREVIVENDO!!! Eu não sabia bem o que era, mas sabia o que não podia ser.

Quando atinjo a puberdade começo a compreender que muitas das coisas que sentia e desejava e assim percebo que tudo isto se devia ao facto eu ser gay. Isto porque eu era muito feminino e todos os gays são femininos, ou pelo menos era isto que me tinham ensinado… o quão errado eu estava!

Quando atinjo a puberdade começo a compreender que muitas das coisas que sentia e desejava e assim percebo que tudo isto se devia ao facto eu ser gay.

Mas, pelo menos, já sabia o que eu era…bem, não é verdade, ou então não estaria eu, dez anos depois, a escrever isto na minha máquina de escrever (os primeiros drafts). Ainda hoje me pergunto… O QUE É QUE EU SOU?

Sou um homem? Sou uma mulher? Ambos? NADA?!

Neste presente momento respondo com clareza que sou o Miguel, mas tudo o resto está coberto de neblina, apesar de raios de luz começarem a penetrar iluminando o  caminho, isto agora que a minha saúde mental está substancialmente mais estável. Foram três os raios de luz que me fizeram começar a refletir e perceber o que eu sou.

Sumariamente, Jacques, saia e pronomes…

Uma concorrente não-binária de um reality show, a Jacques, uma pessoa de barba e que usa pronomes femininos e veste roupas de “mulher”…uma pessoa como eu! Ou pelo menos parte…Mas, não obstante…ao vê-la senti euforia! Tal como a euforia que eu sinto sempre que visto uma saia, não consigo descrever. Mas há uma diferença fundamental entre nós, eu não tenho “problemas” com o uso de pronomes masculinos para se referirem a mim, foi isto que me fez duvidar se eu me podia assumir como uma pessoa não-binária, afinal de contas nasci homem e não me importo que me tratem como tal!

Após alguma (muita!) pesquisa e ainda um momento maior de reflexão percebi algo… mais do que os meus pronomes o que importa é como eu me sinto!

... mais do que os meus pronomes o que importa é como eu me sinto!

Ser não-binário é isso mesmo, não ser “uma coisa” nem ser “outra” dentro de um binário já existente, é isso mesmo que eu sou, é aí mesmo que me encaixo. O meu sexo é “masculino”, o meu corpo tem pelos, eu gosto bastante da minha barba e há dias em que me sinto ”” homem””, logo, de acordo com a sociedade, eu não sou uma “mulher”, MAS, eu gosto de maquilhagem, gosto de usar saias e vestidos, gosto de fazer tricot e sou bastante “feminino” no geral, logo, de acordo com a sociedade, eu não sou um “homem”.

Ser não-binário é isso mesmo, não ser “uma coisa” nem ser “outra” dentro de um binário já existente, é isso mesmo que eu sou, é aí mesmo que me encaixo.

É nesta oposição de SER em que me encontro enquanto pessoa, mais do que pronomes preferenciais, é a minha forma de SER, ESTAR e APRESENTAR que me definem!

Eu sou o que mais ninguém é, uma combinação única de factores. Como não sou “isto” ou “aquilo” sou “algo” que está entre/fora desses polos…SOU NÃO-BINÁRIO!

O último prego no caixão figurativo que tem sido esta aventura de autodescoberta foi a atribuição da vitória desta caótica edição da Eurovisão a uma pessoa não-binária, Nemo venceu e quando o resultado foi anunciado o meu coração transbordou de alegria, alguém como eu tinha ganho! Foi nesse momento que pela primeira vez na vida compreendi a importância da representação.

Foram precisos 26 anos da minha vida para saber o início de quem SOU. Sempre fui do contra, mas não esperava SER em oposição ao que NÃO SOU!

 

Miguel Duarte de Oliveira 

 

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