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Ser queer é mesmo à tuga

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Da Marcha do Orgulho do Porto saiu uma fotografia que, para mim, representa um dos momentos mais bonitos de 2024 – António Fernandes, um senhor de 80 anos, visivelmente emocionado a segurar uma bandeira LGBT enquanto vê passar a multidão colorida à porta de sua casa

O contexto que levou a esta fotografia torna o momento ainda mais bonito. A cantora Mara Nunes, que esteve presente e filmou a situação, explicou que António estava à porta de casa com uma bandeira de Portugal, e apontou para Lily, uma das pessoas do grupo da Mara. 

 
 
 
 
 
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Lily aproximou-se e o senhor colocou a bandeira nas suas costas. Em troca, Lily ofereceu-lhe a sua bandeira LGBT. 

VÍDEO DE LILY: https://www.tiktok.com/@lily.ctrlv/video/7386829340433976609 

No vídeo em que conta esta história, a Mara fala também sobre o momento de pânico que ela e as pessoas em volta sentiram ao ver aquele senhor a chamar uma pessoa queer enquanto segurava uma bandeira de Portugal, e o alívio colectivo que sentiram quando perceberam que afinal aquele símbolo não tinha necessariamente que ser sinónimo de hostilidade. 

Esta reflexão da Mara fez-me lembrar das eleições presidenciais do Brasil, meu segundo país, em 2018, quando Bolsonaro foi eleito. A partir daí, ver a bandeira do Brasil pendurada em janelas, estampada em roupas, ou em autocolantes de carros também me começou a causar pânico. 

Uma estratégia comum para colocar minorias na categoria “outro” é precisamente esta: barrá-las de símbolos que, em teoria, deveriam significar a união das pessoas presentes num determinado território – símbolos como hinos, bandeiras, tradições, e a própria história de um país. Isso foi muito nítido no Brasil de Bolsonaro, nos Estados Unidos de Trump, e, claro, vemos o mesmo a acontecer em Portugal, o que explica o porquê de um senhor a segurar uma bandeira de um país causar tanta desconfiança. 

São vários os exemplos desta estratégia a ser posta em prática. Neste vídeo, Guilherme Terreri (a.k.a a drag queen Rita Von Hunty) explica como o hino do Brasil, com a sua letra tortuosa, difícil de compreender ou decorar, é uma forma de afastar o povo brasileiro dos seus símbolos.

No mesmo sentido, quando se argumenta contra o casamento ou a adopção para pessoas queer, alegando a defesa da “família tradicional portuguesa”, a lógica é esta: constituir família é o que fazem os portugueses; pessoas queer não podem constituir família, logo não são portugueses a sério. E quando se impede pessoas de integrar o exército ou participar em competições desportivas com base na orientação sexual ou na identidade de género, insinua-se que essas pessoas não são dignas de representar o seu país. 

E é por isso que este ano, na Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo, o dress code, além do arco-íris, era o verde e amarelo. Segundo a organização, a ideia foi “incentivar a retomada dos nossos símbolos”. Pablo Vittar, que actuou no evento, aderiu ao dress code, e o público percebeu bem a mensagem, gritando: “a bandeira é nossa”. 

O mais provável é que o senhor António não estivesse a pensar em nada disso quando saiu de casa com a sua bandeira de Portugal. Foi apenas com o intuito de dar e receber amor, e, na sua forma mais simples, foi essa a troca que se deu naquele momento. Mas, para a multidão que susteve por uns segundos a respiração com medo, e para nós que vimos as fotografias e vídeos em casa, algo maior aconteceu ali. 

Com a sua oferenda, o senhor António passou a Lily e a todos nós uma mensagem: Sim, esta bandeira é nossa. Este país é nosso. E, respondendo também com um presente, Lily abriu ligeiramente a porta para repensarmos o que significa a palavra comunidade, e quem de facto cabe nela. Ao ver aquela troca de bandeiras, pensei: Portugal é queer, e ser queer é tipicamente português. 

Toda a esta história deixou-me ainda mais entusiasmada pela Marcha do Orgulho em Lisboa, neste sábado, dia 6 de Julho. Vou andar por lá, coberta de glitter e arco-íris da cabeça aos pés. Ou por outras palavras, vou mesmo à tuga. 

Vemo-nos lá?

Maria Kopke