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Sexualidade na pré-História de Portugal

Baixo-relevo da pré-História de Portugal

Foto de Martins Sarmento, c. de 1875. Arquivo da Sociedade Martins Sarmento

A temática da sexualidade é muito recorrente em inúmeras formas de expressão artísticas e culturais da Humanidade, desde os tempos muito antigos. Riane Eisler, no seu livro O prazer sagrado: Sexo, mito e política do corpo (Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1996), e Peter Stearns, no seu livro História da Sexualidade (São Paulo, Ed. Contexto, 2010), lembram que a arte primitiva tinha um forte conteúdo sexual. As suas ideias sobre a sexualidade do passado contribuem para entendermos e ou explicarmos a do presente, até porque não há reprodução sem sexo, e tal como hoje, os homens da pré-História também não utilizariam o sexo apenas para a reprodução.

 

Encontram-se vestígios de temática sexual, na Austrália, na Nova Caledónia, na Itália, na Rússia, etc. A espécie  humana, desde há milhões de anos, pretendia deixar marcadas nas rochas para a eternidade,  as suas ideias sobre as suas relações com diversos temas, entre os quais as práticas sexuais. Assim, em muitas cenas como as de caça e rituais há também cenas de carácter sexual.  No que diz respeito à homossexualidade, um dos melhores exemplos é o da arte rupestre do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Brasil, em que se vêem cenas homoeróticas, nomeadamente a penetração anal entre homens. 

Na arte rupestre existem cenas de lutas, de caças, de muitos animais, e também de sexo, nomeadamente  do pénis em erecção. Em Portugal não se conhecem pinturas rupestres homoeróticas mas há várias gravuras rupestres de pénis em erecção. Um dos melhores exemplos é o da Lapa dos Gaivões, na serra dos Louções (Arronches), no Alentejo. Outro exemplo é o das gravuras rupestres da ribeira de Piscos, no Vale do Coa, nomeadamente a gravura do “Homem de Piscos”, que representa um homem com o sexo em erecção, que foi infelizmente vandalizada recentemente. Existem também gravuras antropomórficas com figuração fálica nas gravuras rupestres de Bouça da Miséria (Guimarães).

Outro exemplo da pré-História em Portugal são os menires (pedras compridas, esféricas, cravadas no solo), em zonas campestres, nomeadamente no Alentejo, e no Algarve. Na Granja de S. Pedro (Idanha-a-Nova), há um menir que tem na parte superior a gravação, muito nítida, da glande de um pénis, mas esta suposta glande é uma característica muito frequente nos menires algarvios. 

Há várias interpretações sobre o significado dos menires, entre os arqueólogos, historiadores, e outros investigadores: símbolos religiosos, ou símbolos fálicos (símbolos do pénis). Os menires algarvios foram interpretados nesse sentido: formas claramente fálicas. Mas mesmo que tenham significado religioso, conforme defendem alguns autores, as duas coisas não estão separadas, pois teriam a ver com o culto da fertilidade. O falo é venerado em estado de erecção, tornando-se um símbolo sexual e ao mesmo tempo religioso. Na pré-História, assim como nas festas dionisíacas, por exemplo, na Grécia antiga, ou nas festas das bacantes, em honra do deus Baco, na Roma antiga, as duas coisas estavam ligadas: festas em honra de um deus sexual, como por exemplo também em honra de Príapo, o deus grego da fertilidade, representado sempre com o pénis em erecção. Trava-se de uma sacralização da sexualidade, assim como de uma sexualização do sagrado.

Da préHistória em Portugal existem também artefactos, esculturas e baixos relevos, com diversos temas. Um deles é um baixo-relevo de Vilar de Perdizes (Montalegre), que mostra uma figura humana fálica. Há que salientar um baixo relevo que segundo alguns autores, tem um significado homossexual. Trata-se de um baixo relevo encontrado na acrópole da citânia de Briteiros, um sítio arqueológico da Idade do Ferro, situado no alto do monte de São Romão, na antiga freguesia de Salvador de Briteiros, no município de Guimarães.  Fazia parte dos objectos arqueológicos guardados pelo arqueólogo Martins Sarmento, e cuja foto (que vemos aqui) foi incluída no primeiro álbum da citânia de Briteiros, que o arqueólogo fez em 1876. Este baixo relevo encontra-se actualmente em exposição no Museu da Cultura Castreja, em Briteiros.

Foi encontrado pelos trabalhadores do arqueólogo Martins Sarmento (os próprios homens que faziam as escavações), em 1875, e foi logo considerada por esses trabalhadores como sendo a ilustração de uma cena de penetração anal, conforme relata o arqueólogo nos seus escritos : “D’entre as pernas do primeiro para o ânus do segundo há alguma coisa, que a hermenêutica dos pedreiros queria capitular de sodomismo” (Sarmento, Francisco (1903) – “Materiais para a Archeologia do Concelho de Guimarães”,  Citânia, Revista de Guimarães, 20, 2, pp. 68-69).

Desde então esse baixo-relevo tem sido alvo de diferentes interpretações, como por exemplo a de uma cena de combate (Mário Cardozo, Citânia e Sabroso. Notícia descritiva, Guimarães, 1930, p. 35), ou de uma interpretação mitológica (Gonçalo Cruz, “No encalço de Hércules ? uma nova perspetiva sobre um controverso baixo-relevo”, Conímbriga, LXIII, 2024, pp. 127-166). No entanto, além da interpretação dos trabalhadores que a encontraram ao fazerem as escavações, há também alguns arqueólogos que a interpretam como tratando-se de uma cena de relações homossexuais. Joseph  Déchelette, na sua obra Essai sur la chronologie préhistorique de la Péninsule Ibérique  (Ensaio sobre a cronologia pré-histórica da Península Ibérica) que publicou na Revue Archéologique (Revista Arqueológica) classifica esse baixo-relevo no sentido sexual, considerando a sua cronologia pré-histórica como integrada nas representações eróticas características das produções provinciais romanas (“Essai sur la chronologie préhistorique de la Péninsule Ibérique”, Revue Archéologique, 1909, nº. 13, pp.  33-34). Também o arqueólogo Adolf Schulten, segundo Mário Cardoso,  defende o carácter erótico desse baixo-relevo (Citânia e Sabroso. Notícia descritiva para servir de guia ao visitante, Guimarães, 1948, p. 36).

Também o arqueólogo Alfredo González-Ruibal dedica a este baixo-relevo as suas reflexões, e considera ser uma cena sexual, ou entre um homem e uma mulher ou entre dois homens, que explica, neste último caso, pela possível existência de relações sexuais entre guerreiros, pelo que o mais provável é ser entre dois homens, pois só os homens eram guerreiros (González-Ruibal, Galaicos. Poder y Comunidad en el Noroeste de la Península Ibérica (1200 a.C. – 50 d.C., Brigantium, 18-19, Corunha, 2006. p. 7).  Também o investigador Alberto Santos Cancelas, que  procedeu a uma reinterpretação deste baixo-relevo, defende uma interpretação sexual da cena (Ritos, memoria e identidades castreñas, Saragoça, 2027, p. 1268). Em suma, trata-se, segundo parece, de um homem a penetrar analmente outro homem. 

Muito mais coisas haveria a dizer sobre as pinturas rupestres, os menires, e os baixos relevos da pré-História de Portugal, mas devido ao curto espaço de que dispomos, como é próprio de artigos sucintos, não nos alongaremos mais. Estes são apenas alguns exemplos, mas que são muito significativos, da sexualidade na pré-História de Portugal.

 

Víctor Correia

 

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