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Taylor Catclaw – o tatuador da empatia

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Se espreitarmos o Instagram de Taylor Catclaw, somos absorvidos pelo seu talento e pelo cunho muito pessoal que atribui à forma como tatua. Quem o segue há mais tempo, acompanhou a sua transição como homem trans, ignorando, contudo, o que se passava para lá das cortinas das redes sociais.

 

Taylor nasceu em Setúbal, há trinta e seis anos, tendo sido educado dentro de uma cultura machista, formado para ser uma dona de casa e encontrar um marido, que pudesse tomar conta de si. Sempre preferiu as brincadeiras reservadas para os rapazes, na liberdade que a infância nos reserva, até que o seu corpo começou a mudar e essas brincadeiras passaram a ser mais desconfortáveis. Na adolescência sentiu que os seus pensamentos não se encaixavam na dicotomia que o género ditava, no entanto, o conceito de «não binário» não era abordado no dia-a-dia. Aos poucos, com base na pouca informação que lhe era acessível, concebeu a ideia que deveria ser uma mulher lésbica, com um aspecto mais «masculino», visto que a visibilidade trans era quase nula, estando associada a distúrbios mentais e a percursos de vida dramáticos. Em casa, estes temas não eram abordados e na escola procurou manter os seus «dramas» trancados num recanto da sua memória, prometendo à sua alma de artista que um dia rumaria a Lisboa, em busca de uma página nova, que o fizesse esquecer o facto de não ter vivido, verdadeiramente, os primeiros dezoito anos da sua vida.

taylorcatclaw

Em casa, estes temas não eram abordados e na escola procurou manter os seus «dramas» trancados num recanto da sua memória, prometendo à sua alma de artista que um dia rumaria a Lisboa, em busca de uma página nova, que o fizesse esquecer o facto de não ter vivido, verdadeiramente, os primeiros dezoito anos da sua vida.

Na época, assumiu-se como homossexual e encontrou na mãe uma aliada, contando também com o apoio do seu pai, porém, a identidade de género não era um assunto verbalizado. Na verdade, descobriu que o meio em que circulava, após começar a tatuar, era extremamente machista: «por osmose tornei-me num deles, sem orgulho nenhum, a minha educação foi machista e eu era uma mulher machista.» As perguntas que fazia a si próprio levaram-no a fazer terapia, para aprender a lidar consigo mesmo e a descodificar as marcas deixadas pela sua construção social. Taylor destaca o papel incondicional da terapeuta e o caminho que o levou a fazer as pazes com o género e com o facto de ser mulher. Por outro lado, sentiu que se tornou mais reactivo perante comentários preconceituosos e isso levou-o a procurar um espaço seguro para trabalhar.

taylorcatclaw tattoos

À medida que os seus valores iam mudando e que ia amadurecendo como pessoa, isso verificou-se no trabalho, deixando o ego de lado e pondo mais amor nos desenhos que fazia, estabelecendo uma relação de empatia com as pessoas que tatuava, o que resultou no seu sucesso profissional. Por sua vez, a sua independência permitiu-lhe fazer a transição de uma forma tranquila, num processo mais facilitado do que aquele que muitas pessoas trans enfrentam. Curiosamente, quando se identificava como uma mulher lésbica, ouvia mais perguntas inadequadas e os habituais comentários condescendentes: «isso depois passa», mas quando decidiu partir para o processo de transição, reconheceu que já não necessitava da aprovação de ninguém e retirou o espaço de questionamento do outro: «se sabes quem és, mais facilmente os outros aceitam quem tu és.» 

À medida que os seus valores iam mudando e que ia amadurecendo como pessoa, isso verificou-se no trabalho, deixando o ego de lado e pondo mais amor nos desenhos que fazia, estabelecendo uma relação de empatia com as pessoas que tatuava.

taylorcatclaw

A sua independência permitiu-lhe fazer a transição de uma forma tranquila, num processo mais facilitado do que aquele que muitas pessoas trans enfrentam.

Dificilmente conseguimos olhar para o Taylor e separá-lo do seu enorme talento, sendo que os desenhos que vai talhando na pele de quem o procura, permitem-lhe um longo alcance nas redes sociais, muito embora não se sinta activista, pois o que faz é tornar-se visível como pessoa trans e dizer: «estou aqui, sou eu.» Como tatuador, desenha os contornos que lhe pedem, entre cores e perspectivas. Pessoas que são o receptáculo da sua arte, embora desconheçam o longo percurso que serviu para tatuar, em si próprio, a imagem da empatia.

 

Márcia Lima Soares