Transfeminismo: Feminismos Plurais
“Eu travesti,/assumi que sou divina./E criei a mim mesma./Somos criadoras,/Crias de dores./A vida se faz/Frente à morte voraz.” - Letícia Nascimento
Letícia Carolina Nascimento, mulher travesti brasileira, activista trans, pedagoga e professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI), traz-nos nesta obra a urgência em construir debate para os transfeminismos enquanto campo de luta política e epistemológica feminista que reflecte o lugar marginal das identidades trans, não bináries e intersexo, em sociedades hierarquicamente marcadas pelo colonialismo de género.
Inserida na colecção Feminismos Plurais, colecção que, como o nome sugere, se debruça sobre diversas temáticas feministas, esta obra coloca em evidência as interseccionais experiências de opressão femininas e como as estruturas de opressão patriarcais, sexistas, machistas, coloniais e imperialistas, são partilhadas entre as diferentes subjectividades ontológicas e formas de formatizar o género e corpos femininos.
Partindo do seu lugar de fala, a autora explora a realidade política e intelectual das identidades trans femininas e o seu contributo para a criação de novas alianças políticas e proposições teóricas feministas. Debatendo conceitos de teóricas feministas como: Djamila Ribeiro; Lélia Gonzalez; Sueli Carneiro; Donna Haraway; Paul Preciado e/ou Judith Butler, revela a importância dos diversos ângulos e olhares feministas na compreensão e relação das questões de género com raça, etnia, classe, sexualidade, orientação sexual e nacionalidade, nos processos de construção social das “feminilidades” e da pluralidade de formas de viver e se tornar “mulher”.
Organizada em sete capítulos principais, esta obra começa por problematizar as fronteiras entre quem pode ou não ser sujeito/a do feminismo. Apropriando-se da asserção de Sojourner Truth (1852) e bell hooks (1981), Nascimento levanta a provocação: “E eu não posso ser mulher?”, para denunciar a matriz biológica que determina que tipos de vida são “autênticos” e/ou “originais” para o reconhecimento da feminilidade/feminista: a mulher cis, heterossexual, branca, de classe média, magra e sem deficiências.
Mostrando como as mulheres trans são ainda “outsiders” do feminismo, encontramos no
texto as limitações trans excludentes que grupos de feministas radicais colocam à compreensão do sexo anatómico feminino como destino natural, essencialista e universal da “mulher”. Tornando ininteligíveis as performances de género experimentadas por corpos trans, intersexo e não bináries, entre outras identidades e ou expressões de género femininas não limitadas a um corpo com vagina, o fundamentalismo biológico e binário advogado pelos discursos essencialistas reforçam silenciamentos sobre a pluralidade de existências femininas tal como do retrocesso teórico e político do movimento feminista.
Fazendo a justaposição dos conceitos de cisgeneridade e transgeneridade, a autora mostra a importância dos termos para evidenciar a construção da abissalidade entre corpos cis e corpos trans femininos, nos quais aos últimos recaem os estigmas da patologização, da anormalidade e do desvio aquando comparados com a normatividade dos primeiros. Tal como, obedecendo à inspecção das normas e técnicas regulatórias médicas, legais e sociais, estes corpos/identidades continuam a ser impossibilitados de agenciamento e autodeterminação num jogo assimétrico de construção da individualidade ontológica e das expectativas colectivas que produzem identidades “abjectas”.
A pertinência destas questões não poderia deixar de levantar inquietações quanto à realidade transfeminina em Portugal, entre as quais o reconhecimento das mulheres e feminilidades trans nos movimentos feministas portugueses. Quais as agendas e demandas transfeministas no país? Qual o lugar de fala das mulheres trans nos espaços científicos/académicos?
As dificuldades de resposta às questões acima mencionadas podem ser elucidativas da (in)visibilidade e marginalidade relegada às questões trans e identidades e/ou expressões de género não normativas no país. Neste sentido, encontramos em Transfeminismos a importância da leitura sobre as experiências, epistemologias e reivindicações políticas trans, de forma a produzir espaços para uma luta colectiva feminista capaz de combater a patologização, invalidação e deslegitimação associadas aos corpos e identidades trans femininas, não bináries e/ou intersexo.
Editor: Editora Jandaíra
Ano: 2021
191 páginas, formato 15,24 x 11.68 cm
ISBN 9786587113364
PVP: R$ 36,00
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.