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A comunidade gay masculina lembra-me o Titanic.

Lembra-me o Titanic pela ironia de o navio ter afundado por causa de uma falha de engenharia num dos aspectos que era suposto torná-lo impossível de afundar: os compartimentos estanques.

Quase toda a gente conhece a história: compartimentos estanques com isolamento insuficiente para impedir que a água transbordasse de um para o outro, o peso da água nos compartimentos da frente puxa o navio para baixo e causa inundações sucessivas nos restantes até que, por fim, a Kate Winslet decide que só há espaço para uma pessoa na cama, o DiCaprio quina, a Céline canta e coitado é de quem vai, porque a vida está é para quem fica.

Divagações à parte, vocês devem estar a pensar ‘Que volta é que este caramelo vai dar para aplicar isto à comunidade gay masculina?’

A meu ver, é uma associação lógica que eu passo a explicar com todo o gosto: nos últimos anos (e falo talvez a partir dos anos 60/70) a comunidade gay também criou os seus compartimentos: otter, twink, bear, wolf, daddy, gaymer, etc. Inicialmente, eu não acho que tenha havido nada de errado com estas designações (um bocadinho como os códigos dos lenços coloridos no bolso de trás das calças e se não sabem do que eu estou a falar, vão ao Google aprender antes que vos revoguem a licença gay), afinal, num lado positivo, elas ajudam a definir a pluralidade dentro da nossa comunidade e podem ajudar a encontrar uma tribo de outras pessoas com as quais alguém se identifica e com experiências de vida semelhantes.

No entanto, na minha opinião, os aspectos positivos terminam aqui.

O que eu vejo estes dias é que estas designações foram levadas a um extremo tão grande que só traz problemas: as designações tornaram-se compartimentos estanque inundados de expectativas que fazem afundar a saúde mental de tantos membros da nossa comunidade. Tornaram aquilo que eram os aspectos básicos de cada tribo em estereótipos não só de aparência mas também de comportamento e isso, a meu ver, cria várias impossibilidades sendo que a mais grave me parece ser a limitação quase total da diversidade de pensamento. As tribos tendem a não se misturar e há uma espécie de inbreeding (risinho maroto de duplo sentido) que não deixa que a forma de ver e estar no mundo seja enriquecida com fontes provenientes de outras esferas da vida.

Logicamente, não temos todos que nos interessar pelas mesmas coisas, mas também não é nada saudável que o sentimento de pertença a uma tribo nos impeça de contactar com outras. Quantas vezes não se ouve por aí a frase “Ah, no dia tal não vou à discoteca X porque é só twinks/bears/daddies etc.”?

Não temos todos que nos interessar pelas mesmas coisas, mas também não é nada saudável que o sentimento de pertença a uma tribo nos impeça de contactar com outras.

É quase inacreditável como dentro de uma comunidade já em si minoritária, conseguimos subverter designações inicialmente inocentes em mais uma forma de auto-discriminação e masculinidade tóxica. (Digo quase inacreditável porque basta olhar para as notícias para perceber que se há espécie que parece completamente obstinada com auto-extinção, é definitivamente a espécie Humana, mas adiante.)

Vale também a pena reflectir sobre a carga mental e o sentido de obrigação que isto coloca em cima das pessoas: “para ser de determinada tribo, eu tenho que parecer, falar, vestir e estar de determinada maneira”. Claro que podemos questionar, “Mas porque é que as pessoas têm que pertencer a determinada tribo e não podem simplesmente ser elas mesmas?” e a resposta a isso é simples e triste: solidão.

Historicamente, somos uma comunidade de famílias escolhidas. O estigma que tantas vezes leva à rejeição por parte das famílias biológicas leva a que tenhamos de arranjar outra forma de satisfazer a nossa necessidade básica de pertença social e estas tribos que inicialmente talvez fossem completamente inocentes, foram subvertidas por completo, entretanto.

No meu caso, é extenuante. Poucas são as conversas que tenho no Tinder e afins em que, o outro lado ao fim de 5 minutos não tente já meter-me dentro duma caixinha. Já me calhou de tudo: daddy, wolf, cabraozão (alguém que me explique nos comentários quando é que a palavra “cabrão” passou de insulto a termo normalizado para descrever o ar de alguém). Não dá para me chamar pelo nome e não colocar nos meus ombros o peso mental de ficar a pensar que se calhar tenho que me comportar de acordo com a etiqueta que me colaram na testa sem eu pedir?

Será que é tão difícil, agora que temos o privilégio de viver num País em que a homossexualidade não é crime, sermos apenas homens que gostam de outros homens sem nos apelidarmos uns aos outros de quadrúpedes felpudos?

É que… a bitch can’t!

 

R. J. Ripley

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