Um Conto de Natal (muito pouco LGBT)
Meses antes, as mulheres já compraram os presentes para a família. Na véspera, providenciam os mantimentos que irão temperar e confeccionar. Quando toda a família se senta à mesa de Natal já têm horas de trabalho. À mesa, deixam arrefecer a comida no prato, enquanto alimentam os filhos, irrequietos. Anseiam que o dia termine, pois é delas a tarefa da limpeza dos despojos da festa. Os homens, depois de terem comido e conversado descontraídos, tomam o seu digestivo e dirigem os temas de conversa.
Os casados perguntam aos homens solteiros pelas namoradas e às mulheres solteiras pelo namorado. As pessoas LGBT que podem estar àquela mesa são desta forma excluídas, naquele momento, pelos próprios familiares.
Aos casais recentes é-lhes perguntado pelo momento da chegada do primeiro filho. Na mesa de Natal há sempre reseComeça a distribuição dos brinquedos. Arvado um lugar para a ditadura da reprodução.
As bonecas são oferecidas às meninas, os carrinhos aos meninos. Algumas meninas olham com desânimo para a passividade das bonecas que lhes ofereceram. Com excitação para o dinamismo que os carrinhos oferecem, mas que são oferecidos apenas aos meninos. Reprimem o desejo da troca de presentes, pois não é suposto gostarem dos brinquedos oferecidos ao género oposto. Aos meninos, igualmente, não é permitido gostarem de pentear os cabelos das bonecas.
A mesa de Natal, em maior ou menor escala, é muitas vezes um ritual de promoção do modelo normativo dominante. A mesa foi posta com a toalha da desigualdade de género, pois o trabalho não pago é mais uma vez da responsabilidade da mulher. À volta da mesa de Natal não estão sentadas apenas pessoas com laços familiares. Está também sentada a pressão para a parentalidade e para a heterossexualidade compulsória. Fora da mesa, fisicamente ou simbolicamente, estão as pessoas que fogem à norma. O filho gay, a filha lésbica, o neto que prefere ballet a futebol.
Na maioria das mesas a diversidade não tem lugar. As pessoas que não se ajustam à norma são excluídas, por não comungarem da cultura dominante. No dia de Natal, o amor toma muitas vezes a forma da discriminação familiar.
Daniela Alves Ferreira