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Uma família tradicional

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Uma fotografia é uma história de vida. Uma fotografia é uma história de família. Nesta casa existe uma parede vazia. Nas mãos vejo um martelo. Na parede é pendurada uma moldura. Ao fundo vejo o mar. Sentados nas rochas, vejo quatro corpos. Existe um corpo de um homem. Existe um corpo de uma mulher, com uma menina ao colo. E existe um menino com um boneco vermelho na mão. Como é que se chama esta fotografia? Como é que se chama esta família? Quantas fotografias é que existem?

Nesta casa viveu o Senhor das histórias de papel. O chão estava coberto de sapatos, óculos de sol, discos, revistas e jornais, existiam guarda-chuvas e tampas de garrafa, potes vazios, muitos bonecos de peluche, sacos cheios de coisas, e fotografias. Existiam muitas fotografias. O Senhor das histórias de papel é um acumulador de histórias. O Senhor das histórias de papel é um acumulador de memórias, que não são as dele. O corpo está deitado no chão. O corpo está coberto de retratos. São retratos que contam histórias de famílias que não conheço. 

Esta era casa coberta de coisas. São coisas que ele encontra na rua. São coisas que ele traz para casa. Ele guarda uma vida inteira cheia de coisas. São coisas que lhe abraçam a alma. Ele não é o homem do lixo. Ele não é o homem da reciclagem. Ele é um corpo sozinho rodeado de todas as famílias, de todas as cores. Ele, o Senhor das histórias de papel, vive a vida daqueles que tiveram vidas, através das fotografias. 

A moldura pendurada na parede mudou de cor. Já não vejo as duas crianças. Os corpos da mulher e do homem envelheceram. Como é que se chama esta fotografia? Como é que se chama esta família? Quantas fotografias é que existem?

Como é que se chama esta fotografia? Como é que se chama esta família? Quantas fotografias é que existem?

O Senhor das histórias de papel é uma senhora de mão dada com uma criança. É um homem rodeado de mulheres. Ele é uma mulher sozinha. Um homem sozinho. Um homem ao lado de um corpo tão velho quanto o tempo. O Senhor das histórias de papel é azul. O Senhor das histórias de papel é cor de laranja. O Senhor das histórias de papel é cor-de-rosa. Ele é uma criança ao colo de dois homens. Ele é uma criança ao colo de duas mulheres. O Senhor das histórias de papel vive todas as vidas. O Senhor das histórias de papel vive em todas as famílias. 

A moldura da parede voltou a mudar. A menina, que agora é uma mulher está ao lado de um outro rosto. Têm dois bebés. Um deles está ao colo do rapaz. O outro, está nos braços dos pais, que voltaram a envelhecer. Como é que se chama esta fotografia? Como é que se chama esta família? Quantas fotografias é que existem?

Hoje, todas as paredes desta casa, estão forradas. Estão forradas de molduras, em todas as cores do arco-íris. As mãos e o martelo, penduram todas as memórias coleccionadas pelo Senhor das histórias de papel. Não lhes leio os nomes. Não têm legendas. São molduras assinadas, paridas, adoptadas. São homens, são mulheres, avós, filhos, primos, tios, sobrinhos, amigos. Este Senhor que nunca conheci, mostrou-me que as fotografias não têm legendas. As fotografias têm amor.  

Já não existem paredes vazias. A minha casa está pintada de todas as famílias. No centro, a primeira moldura voltou a mudar de cor. Já não vejo o tal rosto ao lado da minha irmã. Os meus sobrinhos cresceram. Estão ao colo da minha mãe. Já não vejo o meu pai. Mas vejo-me a mim, de mão dada com o meu namorado. Como é que se chama esta fotografia? Como é que se chama esta família? Quantas fotografias é que existem?

Imagino o Senhor das histórias de papel abraçado a esta moldura. Tem na mão, uma fotografia arco-íris. Não permite que nenhumas mãos a partam, a rasguem ou que lhe definem o conceito de tradição. A primeira vez que entrei nesta casa, não lhe reconheci a solidão. Reconheci todas as vidas, de todas as famílias, vividas pelo Senhor das histórias de papel. Uma fotografia é uma história de vida. Uma fotografia é uma história de família. As famílias não têm legendas. As famílias têm amor.

 

Peter Pina

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