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Acordados, é assim que nos devemos declarar. Basta de falinhas mansas, de palmadinhas nas costas, de fingir que não percebemos, de ir à manifestação tirar a selfie só porque sim e depois voltar para casa e manter tudo na mesma só porque é cómodo. 

 

Paremos de nos subestimar, este um milhão e cem mil pessoas espalhadas por todo o Portugal que se fizeram representar na Assembleia da República não gostam de nós. Mas há mais, há muito mais, há uns tantos milhões ora escondidos ora mascarados. 

A baixa auto-estima não nos garante, é emergente dizer que não e disparar com força porque eles querem-nos matar. Vem aí a limpeza, eles vêm contra nós com o gás e o canhão. Morreremos de pé, morreremos a lutar, uns pelos outros e não nesta patética comiseração. 

Eu não me sinto atacada, eu sou atacada. Tenho as marcas, as feridas e uma exposta indignação. 

Sobre mim afirmo identidade, porque a tenho. Podia ser fluída, fosse essa a minha opção só teria de ser reconhecida; Não temos que ser o tempo todo um cartão de identificação. Acontece que nas décadas que tenho de vida, efectivamente, sempre me reconheci como fui sendo e sou, no meio de dúvidas circunstanciais, claro está, com mais ou menos segurança, mas construi-me sólida ainda que com quebras. Sou uma mulher. 

Sou (sempre por esta ordem) mulher, negra, cisgénero, nascida em Angola e nacionalizada portuguesa com menos de um ano de vida. Cresci, primeiro como Católica Apostólica Romana e depois, quase coincidindo com a maioridade, como feminista e socialista. Não sou nem social-democrata, que compreendo, nem ambientalista, que considero, nem liberal, que desconfio, nem comunista, que crítico, nem fascista, que repudio. Sou primeiro feminista e depois socialista, pois entendo que não se pode ser socialista sem se ser feminista. 

De há uns anos para cá, como Católica Apostólica Romana, comecei a despertar para a necessidade de questionar o vaticanismo e a reflectir acerca da reparação das vítimas que a Igreja estruturada de uma forma patriarcal criou. Os cristãos de hoje, onde me incluo, herdaram um problema gravíssimo e que exige responsabilização diária, pelo que defendo uma igreja aberta e unida a funcionar na e para a sociedade e a integração de todas as pessoas nos valores da Doutrina Social da Igreja. 

Do que me conheço, sendo que somos sempre múltiplas coisas, sou heterossexual ou, pelo menos, até agora nunca experienciei ou vivi uma relação homossexual, o que não significa que não possa ser bissexual. 

Estou aqui a colocar-me ao espelho em frente a vós, a ver o que vejo, admitindo que o que vocês possam ver seja tanta outra coisa. É um risco este o de nos projectamos como o que pensamos que somos e os outros nos projectarem a nós como o que acreditam estar a ver. 

Estou aqui porque conheço o dezanove.pt há já alguns anos, conheço a comunidade LGBTQIA+ há outros tantos, é bem verdade que não sou activista do movimento, mas sou afirmativa do mesmo. As pessoas são o seu corpo e a sua sexualidade, o corpo é sempre a sua primeira realidade, por ele se manifestam, falam, constroem, participam. Afirmar qualquer coisa que não seja a de que cada um é o seu corpo e vive-o como o sente é o primeiro grande acto de interrupção da vida. Quem não quer interromper a sua ou a vida de outrem, vive o seu corpo e a sua vida. E isto deve ser universalmente constitucional, como o foi em França no passado dia 04 de Março. 

É preciso que todas (todas são todas) e todos cuidemos dos nossos corpos e deixemos de vigiar os corpos vizinhos. Se o conseguirmos fazer colocaremos fim à grande guerra – esta entre o eu e o tu – da qual continuam a emergir tantas outras.

Vim aqui e espero voltar para vos dizer que também estou exausta, que isto não faz sentido nenhum, que ninguém aguenta polícia em cada esquina e tanta falta de apaziguação. Temos de nos autopoliciar melhor, às nossas vontades, às nossas convicções. Não policiar os outros e fazer da sociedade o bode expiatório, a culpa, a culpa, a culpa. 

De movimento associativo a movimento associativo continuamos de mãos vazias a assistir à triunfal entrada de um esmagador grupo de pessoas com pedras na mão. Um salário mínimo muito abaixo dos mínimos e um salário médio bem atrás do medíocre foi tudo o que conseguimos. Isto não dá para ter casa, não dá para nos mantermos com saúde, não dá para assegurar a educação, não dá para comprar pão. 

Não há paz social no meio de uma guerra política. Sim, isto é uma guerra política. Não a podemos aceitar. Eu vou marchando, com as limitações que tenho na marcha. Mas vou. Não tenho filiação partidária, mas tenho afectos e comunidades. Não vou com raiva, vou com convicção. Se não tiveres para onde ir encontramo-nos aqui, no dezanove.pt. A ver se desta vez nos juntamos muitas e muitos para dizer que não nos vergarão.

Vamos acordadas.  

 

Ulika da Paixão Franco