Antes da crónica, vai um aviso que este texto pode conter linguagem que alguns de vocês poderão achar triggering, mas eu acho que é fundamental falarmos acerca destas coisas.
Vocês provavelmente leram este título e ficaram a perguntar “Quando é que as Apps não foram tipo caixa de comentários de tablóides?” o que, dependendo de quando se começou a utilizá-las é uma pergunta perfeitamente lícita.
No entanto, aproveito a crónica desta semana para falar um pouco acerca daquilo que tem sido a mudança grande que tenho sentido na forma como as pessoas falam umas com as outras online, e isto vem um bocadinho no seguimento de um dos assuntos que abordei na crónica da semana passada (a necessidade de colocar a outra pessoa em caixinhas e em tribos).
Nesse sentido, achei que valia a pena falar acerca das coisas menos agradáveis que tendem a acontecer (ou pelo menos a mim tendem a acontecer) quando alguém se recusa a ser “encaixotado”.
Quando me mudei para Lisboa, uma das coisas que mais me chocou foi a agressividade das pessoas no Grindr. Não me entendam mal, eu tenho perfeitamente noção que o Grindr é uma aplicação com um fim muito específico e não tenho, obviamente, nada contra esse fim específico. Contudo, o que me choca é a facilidade com a qual pessoas que até determinado ponto da conversa parecem “normais”, explodem quando lêem algo que não lhes agrada. É verdade que todos lidamos de forma diferente com a rejeição e com a frustração, mas chamar a alguém “filho-da-puta”, “monte de merda”, “paneleiro do caralho vai para a puta que te pariu”, só porque se dá um “não” ou um “agora não” a alguém, não está certo.
O motivo pelo qual não está certo é que ninguém (ou muito pouca gente) reagiria dessa forma se fosse rejeitada ao vivo num bar. Como tal, eu não consigo compreender porque é que as pessoas a acham que o ecrã de um dispositivo electrónico lhes permite comportar-se duma maneira diferente daquela que se comportariam se tivessem a outra pessoa à frente. É lógico que não ter que lidar ao vivo com o impacto das nossas palavras em outra pessoa encoraja muita gente má com natureza de comentador de bancada (que não fosse o facto de ser gay provavelmente até votaria no “Chega” – e se calhar até vota… eu já não digo nada…) a achar que tem direito a falar assim com alguém.
Não consigo compreender porque é que as pessoas a acham que o ecrã de um dispositivo electrónico lhes permite comportar-se duma maneira diferente daquela que se comportariam se tivessem a outra pessoa à frente.
É também, parece-me, um sinal dos tempos e da cultura de excepcionalismo em que vivemos, em que tanta gente é quase que “indoutrinada” desde pequena a achar que é especial e o dom de Deus para o mundo e que, como tal, as suas opiniões também o são. (Como eu costumo dizer – e também contra mim – “opiniões são como o olho do cu, toda a gente tem um e normalmente está cheio de merda”.)
Voltamos mais uma vez ao eterno duelo entre empatia e narcisismo e no ambiente da internet, é normalmente o narcisismo a dar uma porrada na empatia.
A minha experiência após algumas semanas em Lisboa foi a de ter que chegar ao cúmulo de tirar a foto de cara do Grindr e ter-me tornado em mais um “torso” decapitado devido à frequência com que a sequência – Ele: “És todo giro. Queres encontrar-te agora?”; Eu: “Obrigado pelo elogio, mas não estou interessado. Tem um bom dia./Obrigado pelo elogio, mas agora não estou disponível.” Ele: “Então vai para a puta que te pariu, convencido do caralho”, acontecia. Isto é algo com que eu nunca tive que lidar (ou fazer, no caso de remover a foto de rosto) nos anos em que vivi noutro país. Muito honestamente, nunca tive tantos problemas de ser bullied on-line como tive em Lisboa.
Mas isto são só as agressões directas que estamos a falar e temos mesmo que passar o próximo parágrafo a falar das agressões indirectas tão frequentemente disfarçadas de “preferências”. Todos temos as nossas preferências, mas é horrível a forma como algumas pessoas as expõem de forma tão agressiva no Grindr.
“Não a magros/gordos/efeminados/peludos/depilados/negros/asiáticos/latinos/brancos/a lista continua”. Todos temos as nossas preferências e fetiches, mas o “Não querer perder tempo” não pode ser nunca uma desculpa para se agredir passivamente outras pessoas. Vivemos numa comunidade tão obcecada com tudo o que diz respeito à imagem… a pele perfeita, o corpo perfeito, o “algo” perfeito, sem nunca ninguém aparentemente se preocupar com o impacto que esses “requisitos” têm na saúde mental das outras pessoas e na sua auto-estima ou na forma como se vêem no mundo. É horrível estar-se à procura de companhia e percorrer perfis que dizem de forma tão agressiva não querer nada com aquilo que nós somos.
Vivemos numa comunidade tão obcecada com tudo o que diz respeito à imagem… a pele perfeita, o corpo perfeito, o “algo” perfeito, sem nunca ninguém aparentemente se preocupar com o impacto que esses “requisitos” têm na saúde mental das outras pessoas e na sua auto-estima ou na forma como se vêem no mundo. É horrível estar-se à procura de companhia e percorrer perfis que dizem de forma tão agressiva não querer nada com aquilo que nós somos.
É certo que “É preciso cultivar o nosso jardim” e todos nós o queremos cultivar com as plantas que gostamos mais, mas também temos que ajudar os nossos vizinhos a cultivar o seu próprio jardim, e eu acho que uma parte importantíssima disso é não os fazer sentir como se nunca fossem capazes de semear o que quer que seja.
R. J. Ripley
2 Comentários
Lobo
Acho que mais do que falta de empatia ou a existência de resmas de narcisismo, é mesmo a falta de educação. E isso também é culpa dos pais que criaram uma geração que acha que pode tudo. Ou pelo menos, pode, desde que não seja cara a cara.
R J Ripley
A minha pessoa tem andado a fazer pesquisa acerca de narcisismo patológico.
Stay tuned, porque ela vem aí 😉