Como as pedras assobiam – parte II
Continuação do primeiro artigo. Texto inspirado numa entrevista feita a Marina Machete (Miss Portugal 2023).
Marina Machete, foi condecorada pelo município de Palmela, momento que guarda com muito carinho, tendo em conta o reconhecimento por parte da Câmara Municipal, por oposição às mensagens de ódio e às ameaças de morte que poluem as suas redes sociais.
– Tentei apagar as mensagens piores, mas era impossível controlar. Fui muito fragilizada para o concurso.
Em 2022, a antecessora de Marina Machete teve apenas uma notícia muito curta na comunicação social, no ano seguinte, a primeira concorrente trans a ser coroada como Miss Portugal teve um destaque sem precedentes.
– Os diversos meios de comunicação foram algo negligentes a apresentar a minha imagem e a vender a notícia. Não pararam para perceber que eu era uma pessoa, uma mulher como outra qualquer. Achava que estava preparada, mas não estava, por isso ressenti-me muito no que diz respeito à minha saúde mental.
Marina afirma que muita gente não entende os concursos de beleza, porém foi algo com o qual sempre se identificou, pois assim poderia apresentar e destacar a causa pela qual luta todos os dias.
– Naquela altura, a minha coroação foi benéfica para centenas de pessoas que me contactaram e que estavam a passar por momentos terríveis. Essa é a parte que guardo com mais carinho, ter podido contribuir para a visibilidade positiva de pessoas trans, levando-lhes alguma esperança. Nomeadamente no que diz respeito a países da América Central e do Sul, que ainda não têm legislação em prol da comunidade transexual.
De acordo com Marina Machete, em muitos momentos a comunicação social procurou passar a imagem certa, mesmo quando não dominava a linguagem correcta, no entanto, a opinião pública, baseada na ignorância, mostra falta de humanidade, algo que está patente nas caixas de comentários das redes sociais – indivíduos que não conhecem pessoas trans e que têm ideias pré-concebidas e terceiro-mundistas.
– Sou trans e as pessoas trans nunca ganham – declara Marina, relembrando uma frase que ouviu por diversas vezes: «Você é linda, mas acho que não devia poder competir.»
Sem dúvida que ter concorrido a Miss Universo trouxe muitos dissabores a Marina Machete, não obstante, temos de sublinhar a sua coragem perante todos os desafios que desabaram no seu caminho. No final de 2023, foi agredida numa discoteca, porém, não baixou os braços, chamou a segurança e o grupo foi retirado do espaço. Este episódio levou Marina a ter mais atenção a determinados detalhes, como não ficar sentada de costas para grandes grupos – técnicas de defesa que as minorias desenvolvem, para evitar agressões gratuitas.
A fama repentina trouxe-lhe uma participação num anúncio da Uber Eats (na Televisão e redes sociais), brincando com o facto de ter tantos haters – muitos internautas consideraram o anúncio genial, outros poderão ter uma opinião diferente, contudo, Marina Machete conquistou o seu espaço e mostrou que é possível perder e vencer ao mesmo tempo. Perde-se o anonimato, a paz de uma postura mais resguardada, por outro lado ganha-se a amizade de encontros furtuitos, como Athenea Pérez (Miss Espanha 2023) e a possibilidade de cativar tantas pessoas trans, lembrando que há esperança para além da angústia e da solidão. Por cada vida que se perde, a nossa responsabilidade social é a de salvar todas aquelas que que subsistem.
Márcia Lima Soares
Instagram: marcialimasoares_