A discriminação e o estigma enfrentados pela comunidade LGBTQIA+ em Portugal continuam a ser uma questão central quando falamos sobre saúde mental. Como psicóloga, vejo diariamente os impactos devastadores que essa marginalização tem sobre o bem-estar das pessoas, muitas vezes subestimados pela sociedade. Embora tenhamos assistido a importantes avanços nos direitos legais, as feridas emocionais provocadas pelo preconceito e exclusão persistem e são profundamente enraizadas no quotidiano.
O estigma como fonte de sofrimento: O invisível que pesa
Quando falo com pacientes LGBTQIA+, o tema da discriminação raramente se limita a um único evento. São micro-agressões, olhares de reprovação, comentários insidiosos, exclusões sociais — que, acumulados ao longo do tempo, criam uma carga emocional constante. Para muitos, a própria identidade torna-se uma fonte de conflito interno, resultando num stress contínuo que é difícil de gerir.
No contexto da saúde mental, sabemos que a rejeição social e o estigma impactam directamente a auto-imagem e o desenvolvimento emocional. Infelizmente, os sinais de alerta, como ansiedade e depressão, surgem frequentemente em resposta a essa exclusão. É crucial que reconheçamos a interseção entre a discriminação e a saúde mental, porque o estigma, quer explícito ou implícito, atinge a pessoa na sua essência.
A experiência real da ansiedade, depressão e stress crónico
A ansiedade entre pessoas LGBTQIA+ é muitas vezes alimentada por uma vigilância constante. “O que pensam de mim?”, “Serei aceite aqui?” — estas são perguntas recorrentes que criam um estado de alerta contínuo. Para muitos, sair de casa significa preparar-se mentalmente para possíveis reações hostis ou para mais um dia de invisibilidade. Este stress persistente tem repercussões profundas no cérebro, mantendo níveis elevados de cortisol, o que contribui para problemas como insónia, irritabilidade e exaustão física e emocional.
O impacto da depressão é igualmente devastador. Como psicóloga, testemunho como a rejeição familiar e o isolamento social podem fazer com que pessoas LGBTQIA+ se sintam desligadas, desprovidas de apoio e sem um lugar seguro. Sentimentos de culpa e vergonha, muitas vezes relacionados com o preconceito internalizado, levam a uma baixa auto-estima crónica. Este ciclo de marginalização é, em última análise, desumanizante.
Um ponto que merece destaque é o stress crónico. Este não é apenas um estado psicológico — é um fardo fisiológico que aumenta o risco de várias doenças físicas. A conexão entre saúde mental e física é algo que nunca devemos ignorar. Problemas cardiovasculares, por exemplo, são mais comuns em pessoas que vivem em stress constante, e para a comunidade LGBTQIA+, esse stress é frequentemente uma constante invisível, mas perigosa.
Vulnerabilidade acrescida: a realidade das pessoas trans
Entre as diferentes identidades da comunidade, as pessoas trans são particularmente vulneráveis a ataques e rejeição. O estigma e a transfobia não só dificultam a aceitação social como complicam o acesso a cuidados de saúde, inclusive em contextos de saúde mental. O resultado? As pessoas trans enfrentam taxas alarmantes de depressão, ansiedade e tentativas de suicídio. Esta é uma das áreas em que, como psicólogos, temos a responsabilidade de lutar por mudanças, tanto no apoio clínico quanto na sensibilização pública.
A voz de quem vê e sente: o nosso dever como profissionais
Enquanto psicóloga, vejo-me no dever de não só acolher as pessoas LGBTQIA+ nos consultórios, mas também de ser uma defensora activa. Precisamos de criar espaços seguros e inclusivos que ofereçam apoio genuíno, mas mais do que isso — precisamos de educar, sensibilizar e fazer ouvir estas vozes na sociedade. Falar de estigma e discriminação não deve ser algo restrito à esfera do “politicamente correcto”. Estas são questões de vida ou morte, especialmente quando falamos de populações vulneráveis.
Precisamos de criar espaços seguros e inclusivos que ofereçam apoio genuíno, mas mais do que isso — precisamos de educar, sensibilizar e fazer ouvir estas vozes na sociedade. Falar de estigma e discriminação não deve ser algo restrito à esfera do “politicamente correcto”. Estas são questões de vida ou morte, especialmente quando falamos de populações vulneráveis.
Um ponto de reflexão que trago enquanto profissional é a necessidade de políticas públicas eficazes e formação para todos os profissionais de saúde. Ainda existem falhas no sistema, e a comunidade LGBTQIA+ merece um acesso a cuidados que respeite a sua identidade e singularidade.
A nossa caminhada: por um futuro sem medo
A mensagem que deixo para os leitores é clara: o problema não está em vocês, mas num sistema que muitas vezes falha em reconhecê-los e apoiá-los. Vocês têm o direito de viver sem medo, sem o peso de esconder quem são. Procurem apoio, e exijam-no quando necessário — existe uma rede de profissionais e grupos que lutam diariamente para garantir que vocês sejam tratados com o respeito e dignidade que merecem.
O estigma e a discriminação não podem definir as vossas vidas. Vocês são mais do que isso, e a luta por uma sociedade inclusiva é uma que vale a pena.
Letícia David, Psicóloga