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As pontes  entre a Igreja Católica e a comunidade LGBTI+

centro arco-íris JMJ

As palavras desenham realidades, e tanto podem construir jardins floridos como destruir sonhos de criança. 

 

As palavras são um veículo de inspiração ou de dor. A Igreja Católica tem uma sabedoria milenar de dom da palavra, o que acarreta consigo um forte sentido de missão e uma pesada responsabilidade. 

[Abro um parêntesis para acrescentar que não sou uma pessoa católica e as minhas opiniões são e vão sempre ser as de uma turista inglesa que vai a Lisboa andar de tuktuk e comer pastéis de nata. Essa estrangeira vai antes da viagem pesquisar quais os sítios mais conhecidos, as coisas que não pode perder, as principais palavras que deve conhecer, mas também vai se informar sobre os sítios perigosos, os assuntos sensíveis que não deverá tocar e talvez até veja como está o panorama sócio-político actual, não vá o seu voo de regresso ser cancelado ou não poder andar de tuktuk porque fizeram greve (isso existe?). Fecho este aparte apelando que me vejam neste papel e que mereça o mesmo desconto caso diga “Gracias” ao invés da palavra mais acertada para agradecer em português.]

Esta semana tive a oportunidade de visitar o “Centro Arco-Íris”, em Lisboa, um projecto enquadrado na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

O que vi foi um suspiro de alívio. Isto está mesmo a acontecer. Assisti a parte de uma conversa com duas teólogas, Teresa Toldy e Cristina Inogés-Sanz, e uma sala cheia de jovens, de múltiplas nacionalidades. Falou-se em português, espanhol, inglês. Citou-se a Bíblia e discutiu-se a abordagem da temática LGBTI+. Na altura ressaltou-me uma específica intervenção da Professora Teresa: “Não peçam licença. Não peçam permissão para ocuparem o vosso lugar. Foi assim [a reivindicação de direitos] com as Mulheres.” 

É verdade, está a acontecer. A revolução LGBTI+, a conquista de direitos, a exigência de respeito pela liberdade individual têm vindo a ser traçadas no Catolicismo.

Falei com uma das principais responsáveis pela organização do Centro Arco-Íris, a Ana Carvalho, que ajudou a criar e manter a ideia de um espaço seguro para pessoas LGBTI+. Acredita que há um caminho a percorrer, e que estas conversas devem avançar a um ritmo gradual e que devem “vir de dentro, porque quem está de fora não entende como funciona a estrutura e como pode ser mudada”. Quebrar paradigmas dentro do nosso ambiente é desafiante, um trabalho moroso que pode levar anos, sobretudo numa potência tão anciã e tão difundida como a Igreja. A voluntária defende que os jovens católicos podem criar estes projectos, com o aconselhamento de pessoas mais velhas, “sem que estas limitem o seu pensamento”. São estes que vão seguir e fortificar o caminho que já começou a ser tratado por gerações anteriores. Com a Ana descobri, que na temática, que há uma associação portuguesa “Sopro” e uma rede internacional “Global Network of Rainbow Catholics”.   

Soube que iria haver uma missa dedicada à causa LGBTI+ na Igreja da Ameixoeira. Mais tarde, li que este momento foi interrompido por um grupo de jovens católicos que não concordavam com a disseminação desta “ideologia”, muito menos por um Padre.  James Martin fora convidado a passar a palavra sagrada de forma inclusiva, onde todas as pessoas merecem lugar de fala, respeito e perdão. Não era a primeira vez que levava a fé com a sua voz serena a pessoas da comunidade LGBTI+. Aliás, talvez já tenha perdido a conta das conversas que já teve sobre o tema. Conhecido internacionalmente por ter sido uma das personalidades a levar a discussão da homossexualidade à ordem do dia no Vaticano, o Padre também escreve as suas ideias. E é através de um dos seus livros, que turistas inglesas como eu podem conhecer as mensagens de compaixão e sensibilidade passadas em vários momentos conjuntos de pessoas católicas. 

Um dos comportamentos que mais caracteriza a sociedade contemporânea é o chamado unifoco, ou visão em túnel, ou ter palas nos olhos como os burrinhos de carga. Isto piorou com a chegada das redes sociais e os seus mecanismos algorítmicos super aguçados, que sabem cada vez melhor o que a utilizadora está habituada a ver, portanto gosta de ver, portanto quer ver. E, só, vê, isso. Sempre.  

O fenómeno tem sido estudado e estudado e já é sabido que o nosso corpo literalmente fica em alerta ao encontrar informação nova. E ficar em alerta, traduzido por miúdos, é ter medo. E por mais paradoxal que seja, a única forma de deixar de ter medo do desconhecido é torná-lo comum, banal, o pão nosso de cada dia. 

James Martin fala da importância de construir pontes dentro da Igreja Católica. E isto, a meu ver, envolve pessoas LGBTI+, pessoas não LGBTI+, pessoas que se opõem às pessoas LGBTI+, pessoas que nem nunca pensaram sobre a temática... Pessoas e pessoas e pessoas. Todas. 

Uma ponte é uma ligação entre duas coisas/entidades/pessoas que (à partida) estariam separadas por algo. Algumas definições têm ideias engraçadas como “unir partes homólogas” e “interligar ao mesmo nível pontos não acessíveis” e “estabelecer uma comunicação”. É engraçado pensar que os grupos que discordam podem ser complementares e que há algo que os distancia mas que abre caminho para a partilha e compreensão. 

Agora que já estou a acabar de comer o pastel de nata, entendi que a minha viagem de entendimento das temáticas LGBTI+ no seio da Igreja está longe de terminada. 

Fico feliz por saber que há um movimento de tentativa de conciliação da comunidade católica. Há resistência, sim. Mas falam mais alto as pessoas que estendem a mão ao próximo e criam as tais pontes. Como discursou Papa Francisco na JMJ, há um “amor sem medida” e que abraça “Todos. Todos. Todos”.

 

Beatriz de Aranha