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gay trintão

No seguimento da crónica anterior, esta semana decidi reflectir um pouco acerca de uma série e de um filme que estrearam no final do ano passado. A série está no Netflix e chama-se Smiley e o filme é o Bros que recebeu imensa publicidade por ser a primeira comédia romântica gay lançada por um estúdio mainstream.

 

Tanto o filme como a série seguem uma temática e narrativa semelhantes: o casal supostamente improvável do bonzão (no caso do Bros, um Luke McFarlane tão bombado em “suplementos desportivos” e com a consequente rouquidão que torna impossível distinguir a voz dele da voz da Jennifer Coolidge) e do geek/nerd. Tanto no filme como na série, há ex-namorados/crushes/quecas à mistura, lésbicas sensatas e dois protagonistas a fazer coisas profundamente idiotas até que finalmente se entendem, e são ambos conteúdo tipicamente natalício para nos deixar todos derretidos e de lagriminha no canto do olho (culpado…).

Em todo o caso, especialmente no Bros, por ter sido escrito pelo génio que é o Billy Eichner, podemos contar com um humor corrosivo (e dolorosamente certeiro) face a todas as idiossincrasias da comunidade gay, assim como com observações de uma profundidade assinalável, ainda que sempre revestidas com humor.

Numa dessas falas assinaláveis, a personagem do Billy Eichner diz que a maior proeza dos gays foi terem conseguido convencer toda a gente que são extremamente inteligentes e emocionalmente evoluídos. Ora, atendendo ao último ano de crónicas, não será difícil imaginar a gargalhada sonora que esta deixa me arrancou por ser tão ridiculamente verdadeira.

Se começarmos a desmontar isto a partir da percepção que todas as nossas amigas heterossexuais têm de nós a este nível, percebemos o extraordinário golpe de marketing/PR stunt que conseguimos criar. Quem não tem aquela amiga que mês sim/mês não vem falar connosco carregadinha de boy problems para os quais nós supostamente teremos alguma coisa de incrivelmente sábia e sensata a dizer. É verdade que, frequentemente, não é difícil encontrar coisas acertadas a dizer, especialmente face a alguns dos problemas que já me passaram pelos ouvidos. Outras vezes, só vêm falar connosco à procura de validação emocional, numa ironia deliciosa: o acto de pedir essa validação a um membro duma comunidade em que um dos maiores problemas é precisamente a necessidade constante de algum género de validação. Criámos um golpe publicitário épico!!!

Ainda há dias estava no barbeiro e ele (hetero), diz-me: “Mas vocês gays têm muito mais capacidade de falar abertamente acerca das vossas emoções que homens heterossexuais”. Eu só levantei o sobrolho e disse: “Não ponhas as mãos no fogo por isso…”. A conversa desenvolveu-se e acho que consegui pelo menos desfazer a ilusão na cabeça de mais uma vítima inocente da nossa equipa de marketing. Só foi preciso dar-lhe um apanhado dos temas destas crónicas para lhe arrancar um: “mas isso é comportamento de um sociopata!”.

Esta última frase faz-me levar a reflexão para o impacto que este golpe de marketing tem nos próprios gays. Tal como aquelas queens completamente iludidas do Drag Race, também nós acabamos por acreditar no nosso próprio hype e utilizar esse suposto avanço evolutivo-emocional que decidimos inventar que tínhamos, para justificar comportamentos que vistos fora da esfera do nosso próprio umbigo são coisas que, como muito acertadamente o meu barbeiro disse, são um bocadinho fodidas dos cornos.

Fomos tão eficientes na criação desta ilusão que acabámos por nos esquecer que a fabricámos e que somos humanos tão emocionalmente complicados e lixados da cabeça como toda a gente. É verdade que algumas das coisas com as quais tivemos que lidar enquanto crescemos por causa da nossa orientação sexual, nos deram (ou deveriam ter dado) competências emocionais que uma pessoa hetero e cis não tem necessariamente que desenvolver porque cresce sem passar pelo mesmo. No entanto, todos nós somos um produto de uma mesma sociedade e de um mesmo contexto cultural geral e, por isso, o facto sermos de uma minoria não nos poupa a ter crescido num meio em que a saúde mental é estigmatizada e onde o individualismo e excepcionalismo radicais são cultivados ao máximo e a um grau que, inacreditavelmente, nos leva em certa medida a agir contra a necessidade humana natural de criar laços com outros humanos.

No entanto, e apesar desta merda toda, e apesar de respondermos a frases com um “Okrrrrr!”, estalar os dedinhos e a língua e fazermos todos um sem número de idiotices, lá conseguimos convencer toda a gente que não somos nada idiotas.

Isto traz-me de volta ao filme e à série e que, na minha opinião, mais do que o aspecto feel-good  dos finais satisfatórios, têm o mérito maior de mostrar a uma audiência alargada e de uma forma acessível o calvário emocional que infligimos uns aos outros  como consequência de acreditarmos ser possuidores desse super-poder emocional que nos leva a “ter sempre razão” e a “tomar sempre a decisão certa porque estamos a zelar por nós mesmos”, sem nos apercebermos que a crença nestes disparates nos torna num prodigioso segmento duma espécie animal com um talento extraordinário para a auto-destruição e para inflingir dor emocional em nós mesmos e nos outros.

Não tenho um microfone na mão para fazer um mic-drop, mas faço um pen-drop da minha caneta Lacroix. 

“Lacroix, sweetie!” (Sim… se o título da crónica não tiver dado para perceber, esta citação final deve dar para mostrar que Absolutely Fabulous é uma das minhas séries preferidas de sempre).

 

R. J. Ripley