"Submissa - As memórias de Sonnet"
Já aqui fiz uma tentativa de enquadrar o BDSM na teoria feminista, mas para entender verdadeiramente estas dinâmicas, é essencial conhecer quem as vive na prática. Nesse sentido, escolhi ler o livro Submissa – As memórias de Sonnet, que, de forma anónima, revela a experiência de uma mulher que gosta de assumir sexualmente um papel de submissão.
Ao longo do livro, a autora desenvolve reflexões sobre as múltiplas dimensões que atravessam as suas práticas, que vão para além do BDSM clássico, inserindo-se num campo mais amplo do kink. Recorda os primeiros pensamentos erotizados ligados à submissão, que surgiram ainda na infância, e a sua necessidade de leitura e aprofundamento teórico sobre o tema. A entrada nas práticas foi gradual: começou com experiências mais suaves e, com o tempo, foi explorando práticas mais intensas, até chegar ao sadomasoquismo.
A vivência em ambientes liberais permitiu-lhe reconhecer a sua bissexualidade e libertar-se de preconceitos, como a ideia de que homens baixos seriam pouco atraentes ou de que as relações afectivas exigiriam, necessariamente, exclusividade.
As suas reflexões também abordam a relação entre estas práticas e o patriarcado, nomeadamente a ideia de que a escolha de uma mulher ser submissa e a de um homem ser dominador podem ser vistas como uma reprodução de estruturas de poder. No seu caso, defende que essa leitura não se aplica, pois a sua identidade no quotidiano é muito distinta da dimensão sexual. Reconhece, no entanto, que para outras pessoas essa separação nem sempre existe, podendo o papel de dominador/submisso estender-se para além da esfera sexual.
O livro não tem apenas interesse teórico; apresenta também uma forte e marcante dimensão erótica. Paralelamente às reflexões, a autora descreve com prazer notório episódios da sua vida sexual. Com riqueza de detalhe, são relatadas situações de sexo em grupo, swing, exibicionismo, masoquismo e práticas de humilhação. A escrita, envolvente e sugestiva, convida o leitor a imaginar, a visualizar e a deixar-se levar pelas imagens que surgem naturalmente no pensamento.
Do ponto de vista pessoal, como feminista, considero interessante e até estimulante a forma libertina com que a autora vive a sua sexualidade. No entanto, senti desconforto em algumas cenas que envolvem espancamento. Em certos momentos, a violência descrita atinge o ponto de provocar sangramento, o que pode ser impróprio para pessoas mais sensíveis. Quanto mais leio sobre o tema, mais dúvidas me surgem sobre a compatibilidade ética destas práticas com os princípios do feminismo, sobretudo quando envolvem dor e humilhação. Ainda assim, reconheço que cada pessoa deve ter liberdade para fazer as suas próprias escolhas sexuais, desde que sejam conscientes e consentidas.
"Submissa – As memórias de Sonnet" é uma excelente escolha para quem tem curiosidade sobre o tema ou como presente para alguém a quem se queira despertar esse interesse.
Editora: Casa das Letras
Ano: 2025
ISBN: 9789895813919
Número de páginas: 280
Daniela Alves Ferreira | @daniela.alves.ferreira