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Um lugar para Mungo de Stuart Douglas

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Depois do extraordinário sucesso de Shuggie Bain, o primeiro romance de Douglas Stuart que arrecadara o Booker Prize 2020, uma das estreias literárias mais bem sucedidas do século tendo vendido mais de um milhão de exemplares em todo o mundo, Stuart regressa agora com Young Mungo, o seu extraordinário segundo romance.

Considerado como um “Romeu e Julieta gay dos bairros sociais de Glasgow”, este romance oferece-nos a partir da perspectiva de uma criança/adolescente, Mungo, um retrato vivo da vida da classe trabalhadora na era de Thatcher dos anos 1980 e a exploração da masculinidade e do perigoso primeiro amor de dois jovens: Mungo e James.

Nascidos sob estrelas diferentes, o protestante Mungo e o católico James vivem num mundo hiper-masculino onde a afirmação de género e virilidade é estruturada entre o conflito protestante/católico de uma classe trabalhadora desgastada por um governo que a empobrecia. No entanto, ao contrário das interseccionais expectativas de género, em que para serem reconhecidos entre a prol masculina os jovens se tornariam adversários, estes mostram ultrapassar a rigidez e violência das expectativas socialmente impostas construindo uma relação de amor e amizade que ultrapassaria as fronteiras da heteronormatividade imposta.

Ao longo da narrativa seguimos Mungo ao longo de duas linhas temporais: uma em Glasgow, centrada na sua família e na sua relação com James e, a segunda, um pouco mais tarde, quando ele parte para um fim de semana de pesca com dois amigos da mãe. Uma viagem que mostrara ser cada vez mais perturbadora à medida que os personagens se vão revelando e caindo em desgraça dando um toque se suspense e de antecipação ao destino de Mungo.

Tal como Agnes em Shuggie Bain, a mãe de Mungo tem um vício com o álcool, e os filhos inventam um monstro - Tatie Bogle - para lidar com as suas extremidades e desaforos. As ausências da mãe deixam Mungo aos cuidados da sua irmã mais velha, Jodie - ela própria numa relação de exploração com um professor - e as cenas em que são apresentados acabam por espelhar a ternura e o humor que aliviariam a carga dramática e destrutiva daquele meio doméstico. 

Já o irmão de Mungo, Hamish, conhecido como Ha-Ha, líder de um bando protestante empenhado em perseguir os católicos locais, mostraria dificultar mais a vida do seu irmão aquando da descoberta da relação com James, acabando por alimentar aquele que seria um amor proibido. 

Tal como o seu antecessor, Shuggie Bain, Young Mungo espelha através de um registo autobiográfico a infância e adolescência do autor, permitindo-o elaborar através de uma prosa rica, comovente e cheia de surpresa os recortes de género, classe, raça e religião que encontramos nestes personagens.

Esta é uma história queer de amadurecimento, incrivelmente orientada para a família, sobre um jovem rapaz gay que se encontra num mundo violentamente homofóbico. Uma narrativa sobre violência, fanatismo, a classe trabalhadora e a forma como o governo britânico dos anos 80 e 90 destruiu gerações de famílias da classe trabalhadora. É, acima de tudo, uma história sobre um rapaz que foi ostracizado da sociedade pelas suas diferenças e forçado pela família a ser o que quer que precisem dele, escolhendo por si próprio quem é. 

Young Mungo, sendo uma obra de pertinência actual, mostrando a violência enfrentada por muitas pessoas queer e os perigos de amar demasiado alguém, é uma das leituras mais reveladoras de 2023 e promissoras do ano que se avizinha.

 

ISBN: 9789897849183

Editor: Alfaguara Portugal

Páginas: 480

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.