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Cinco promessas musicais queer do panorama nacional

Quando juntamos as temáticas música portuguesa e comunidade LGBT existe um nome que, quase imperativamente, surge no início como peça fundamental da história. António Variações, eterno ícone da cultura queer portuguesa e o primeiro a sacudir a homofobia em Portugal após quatro décadas de fascismo, surgiu como figura colorida num país a preto e branco na década de 80 para rasgar tabus e apresentar a sua arte.

 

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2023 e a representatividade luso-sonora

Quase 39 anos após a morte da lenda, que é Variações, a comunidade Queer no âmbito da música portuguesa começa a marcar uma presença cada vez mais cimentada e com nomes que já são falados além atlântico. Do Fado ao Rock, do Kizomba ao R&B ou do Eletrónico ao Pop a representatividade luso-sonora LGBTQIA+ já não tem um só nome para chamar. 

 

FADO BICHA 

Fado Bicha é um projeto musical e activista que explora o universo do fado além das rígidas normas de género do fado tradicional. Criado por Lila Fadista e João Caçador, o projecto é uma intervenção que se preocupa com a representatividade da comunidade LGBTQIA+ e aborda temas como o género, o colonialismo, o racismo, o feminismo e os direitos dos animais. O projecto é uma “revolta” à cisheteronormatividade presente no fado tradicional e na sociedade portuguesa em geral.

Em Março de 2017, o dueto foi criado como um canal para Lila Fadista “dar asas” às suas aspirações artísticas activistas e à sua identidade queer no universo do fado. Depois de se apresentar sozinha no FavelaLx, em Alfama, Lila chamou a atenção de Caçador, que foi convencido por um amigo a ensaiar com ela e acabou por se juntar ao projecto como guitarrista.

Em 2018 actuaram em vários espaços de Lisboa, com mais de 100 concertos. No ano seguinte, a dupla lançou seu primeiro single oficial, “O Namorico do André“, uma recriação do tema “Namorico da Rita” de Amália Rodrigues, seguido de uma versão de A Mulher do Fim do Mundo de Elza Soares. Em 2019 anunciaram o álbum de estreia, “OCUPAÇÃO. O tão esperado álbum primogénito é lançado quase três anos após o seu anúncio original, produzido por Moullinex, o disco foi consagrado como um dos melhores discos portugueses do pela Blitz. Participaram no Festival da Canção com a música Povo Pequenino sendo das canções mais comentadas e favoritas à vitória. 


CUBITA 

Nádia Cubita Vasconcelos, cantora e compositora luso-angolana, iniciou um percurso no rap em 2009 quando gravou a sua primeira música. 

Em 2011 juntou-se a um amigo criando uma dupla de Kizomba (dreamzMelody), mas foi em 2018 que rompeu a linha do sucesso com o lançamento de “Me fala”. A faixa já alcançou seis milhões de visualizações no YouTube e apresentou ao mundo a voz suave e delicada da compositora.

 As suas músicas apresentam uma fusão entre um Kizomba sofrido e um R&B contemporâneo.

Somou vários e sucessivos hits como” Au Revoir “(2019) e “Allez(2020) em colaboração com a dupla Calema. Em 2022 foi presença no leque de cancões do Festival da Cancão com o tema Uma mensagem tua”.

O apoio de uma colaboração entre as produtoras com quem trabalha, a Universal Music Portugal e a Klasszik reflecte o trabalho da artista que passa por um tratamento exigente e minucioso antes de ser disponibilizado ao público.

Apesar do seu ar introvertido Cubita mostra bastante confiança na sua arte e essência sendo das primeiras artistas da música africana a contornar estereótipos e a assumir a sua homossexualidade com naturalidade.

 

AS DOCINHAS 

Death Drops na pradaria, sarrabulho e cabaret em rock poderia ser a equação perfeita para apresentar este duo emergente da música nacional. As Docinhas são um projecto minhoto de Viana do Castelo formado por Cire (violinista, compositora e vocalista) e Lee (guitarrista, compositora e vocalista).

Xando (2021) foi o primeiro álbum do grupo e foi criado em homenagem a um amigo da banda, Alexandre, que se suicidou em 2017. Um álbum provocativo que reúne 7 faixas fluidas entre o caos e a euforia num registo desamarrado e chamativo que apresenta estilos como o punk, o pimba, o fado, o lo-fi e o rock.

Depois de actuarem em vários festivais queer e urbanos a banda continuou o seu projecto “punk-paneleira” indisciplinar, revelando cada vez mais o seu estilo musical, ora manifesto bilingue, ora fritaria pop-rock-pimba. 

PlayGround (2022) o último single lançado pelas “Pussycrackdolls” deixa a promessa de novidades no ar, a faixa escrita pelos membros oficiais da banda revela temas como a infância carente de amor parental e o assédio na juventude com a sonoridade agressiva das guitarras que já se tornaram cartão de visita das minhotas.

 

CARLA PRATA 

Dividida entre as suas origens, Portugal, Angola e Inglaterra, Carla Prata é dona de uma das vozes mais “smooth” do R&B anglo-saxónico, e tem conquistado o mercado internacional desde o início da sua carreira.

Nostalgia, o primeiro single, foi o mote que trouxe a compositora para a ribalta, um tema cheio de “sex appeal “que narra a aventura de Carla com outra mulher que não consegue deixar de procurá-la quando o seu namorado está longe. O tema foi febre em 2018 e mostra a voz limpa, suave e apaixonante de Prata, tornando-se num hit queer da representatividade lésbica.

Sem bilhete para regressar a Londres, cidade onde vivia, Carla Prata decidiu dar cartas em Portugal onde trabalhou com vários artistas nacionais como Dengaz na colaboração “Foi só uma Vibe” outro single que mexeu bastante a proposta do hip-hop português. 

O single sucessor “Se tu quiseres” produzido por Charlie Beats, remete-nos um pouco ao início, em Nostalgia, onde mais uma vez a letra revela a temática “Girl plus Girl” numa mistura de beats viciantes. 

Com os temas “Certified Freak” e “Owner” a artista foi convidada a participar no evento A Color Show”, uma plataforma única, sem gêneros, com artistas diversos e excepcionais de todo o mundo onde o compromisso passa por promover a diversidade na música.

Carla Prata segue e soma na sua carreira e depois de Roots (2020) o seu álbum de estreia, lançou este ano o controverso EP “Sex Tape”.

CONAN OSÍRIS 

Foi considerado personalidade LGBT do ano na edição de 2019 dos prémios dezanove.pt, mas a sua história na música começou uns anos antes. Tiago Miranda, de seu nome artístico Conan Osíris fez-se ouvir pela primeira vez através do Soundcloud num projecto intitulado “Powny Lamb” e o EP “Cathedral “(2011) juntamente com a artista Sreya que anos mais tarde veio a ser co-produzida no seu álbum de estreia por Osíris. Em 2014 já a solo, lança o Ep “Silk”, com faixas produzidas para diversos estilistas nos desfiles do ModaLisboa 14/15 e o seu primeiro tema cantado em português que acabou por se tornar um grande hit da sua carreira, “Amália”. Versos afiados que quase cortam a respiração como “Tu sabes que a saudade anda aos beijos com a morte” fazem do single um dos grandes favoritos do fandom de Conan.

Seguiram-se mais dois EPS, “Música, Normal” (2016) o género de música provocativa que pode ser ouvida e dançada nas situações mais diversas, desde a viagem do autocarro ao banho matinal, e o controverso Adoro Bolos(2017) que cimenta ainda mais a carreira do artista onde temas como “100 Paciência”, “Celulitite” e “Titaniquedesvendam o seu estilo, letras e sons desprovidos de bom comportamento e cantadas na essência de um calão em “carne viva”. 

Em Fevereiro de 2019, foi anunciado como compositor e intérprete da canção “Telemóveis, com a qual participaria no Festival RTP da Canção. Conan Osíris foi apontado como favorito à vitória pela comunidade LGBTI pelos leitores do dezanove.pt acabando por se tornar vencedor da edição do festival desse ano e representou Portugal em Israel na primeira semi-final no Festival da Eurovisão.

Depois da representação em Telavive, Conan ganhou o prémio de Artista Revelação nos Play – Prémios da Música Portuguesa e encheu várias salas pelo país fora com concertos cheios de ritmo, energia e dança. 

Em 2020 fez parte de vários projectos sonoros como o tema “Vinte Vinte” com Ana Moura e Branko e em 2022 foi convidado da banda Expresso Transatlântico no tema “Barquinha”.

 

Texto: Filipe Lima @__majortom__

Imagens: Filipe Lima, The Guardian