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Convivi com um ditador: traçando um perfil da extrema-direita (parte 4)

Nos três artigos anteriores ilustrei episódios do tempo em que eu vivia com o meu progenitor, fazendo um desenho minimamente elucidativo sobre o perfil de quem se identifica com as opiniões da extrema-direita, concedendo-lhe o seu voto. 

 

Lê ou relê aqui os artigos:

Convivi com um ditador: traçando um perfil da extrema-direita (parte 1)

Convivi com um ditador: traçando um perfil da extrema-direita (parte 2)

Convivi com um ditador: traçando um perfil da extrema-direita (parte 3)

 

Ora, após o divórcio da minha mãe, deixei de ser submetida aos discursos agressivos do seu ex-cônjuge, o que me tirou um enorme peso de cima, sempre associado à ansiedade de me sentir responsável por esgrimir as suas convicções, que eu considerava hediondas. Felizmente, a minha mãe era mais sensata e manifestava a sua preocupação para com os mais desfavorecidos. De dia para dia, eu ia construindo os meus ideais, fundamentados no meu percurso escolar e nos livros que lia.

O casamento chegou ao fim por inúmeras razões, contudo, a gota de água foram as sucessivas traições que cansaram o espírito da minha mãe. Naturalmente, ele acabou por se casar com uma das suas funcionárias, porque um «homem de bem» tem de ser casado. As investidas sexuais continuaram, no seu local de trabalho (e fora dele), levando-o a pressionar outras colaboradoras a terem «encontros» consigo, em troca de um melhor horário ou um primeiro lugar na escolha das férias. Há quem o encubra, há sempre quem o faça, afinal de contas, é um «homem de bem.» A sua esposa actual vai engolindo em seco, com discussões acesas que são mais que pontuais, porém, não tem emprego fixo e a sua escolaridade é baixa, o que a impede de sair daquela relação e manter o mesmo nível de vida.

Há uns anos nasceu-me uma meia-irmã. Acompanhei o seu crescimento como pude, mantendo a distância de segurança do nosso progenitor. Este ano irá votar pela primeira vez e tem vindo a publicar fotos alusivas ao partido da extrema-direita, nas suas redes sociais. A última foi uma fotografia tirada junto da Rita Matias, expressando a sua admiração perante o epíteto do antifeminismo e que, no início de Abril, distribuiu material do partido, sem autorização prévia, na Faculdade de Direito de Lisboa, o que revoltou os estudantes e resultou na intervenção da PSP. 

Por um lado, a minha falta de surpresa perante a escolha óbvia da minha meia-irmã, que opta por seguir as pisadas ideológicas dos seus pais, por outro, uma réstia de esperança perante a posição de estudantes universitários que antecipam os movimentos de um partido fascista e que se erguem para limpar o seu jogo sujo. No caso da minha meia-irmã, continua a ouvir o discurso preconceituoso do seu pai, tal como eu, trinta anos antes, com a diferença de que ela ouve o eco das suas palavras na Assembleia da República, nos meios de comunicação tradicionais e nas redes sociais, aumentando o alcance da minhoca que se vai infiltrando nas maçãs [esqueçam os pezinhos de lã, porque a marcha é bem audível].

Afinal, o que vê a juventude no partido de André Ventura? Será a influência da família, de quem herdam os ideais políticos? Será o fascínio por um líder carismático? Ou a divulgação de meias-verdades que gera o ruído desinformado que ouvimos hoje? Sobra-nos a constatação de que o fascismo não morre, pois as serpentes põem ovos e há sempre quem os crie: dão-se por nome de «pessoas de bem.»

 

Leonor Matos