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A paz, o pão, saúde, educação, habitação: desafios e conquistas da luta LGBTQIA+ em 2023 

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O título é de uma famosa música de intervenção de Sérgio Godinho. Editada em 1974, fruto  da revolução democrática dos cravos, Liberdade, é não só o nome de uma longínqua cantiga, referência de uma luta antiga, mas, na ordem do dia, labuta do movimento  LGBTQIA+ português.  

Desde 2000 que o movimento activista LGBTQIA+ em Portugal tem mostrado um crescendo. Somando-lhe diferentes causas e reivindicações, alianças, geografias e conquistas e  desafios chegamos a Outubro de 2023 com o número inédito e exemplar de 27 cidades  portuguesas a saírem à rua e manifestarem o seu orgulho contra o conservadorismo, pelo  direito a ter direitos, pela liberdade em se ser e amar quem quiser, por uma sociedade mais  tolerante e menos desigual.  

Em retrospectiva, começamos o ano de 2023 com a 1ª Marcha da Visibilidade Trans no Porto,  uma marcha inaugural que contando com mais de 500 participantes contestou a visibilidade  e direitos das comunidades trans na cidade que fora palco de um dos assassinatos mais vis  que a sociedade portuguesa assistiu este século. Prosseguiu-se, a 17 de Maio, Dia  Internacional contra a Homofobia e Transfobia, a 14ª Marcha contra a Homofobia e  Transfobia de Coimbra, seguindo-lhe Vila Real, Covilhã, Algarve, Braga, Peniche, Aveiro,  Sintra, Lisboa, entre tantas outras, do norte ao sul do país, no continente e ilhas, que  celebrando conquistas não se esqueceram do que falta cumprir. 

Terminamos o calendário de marchas LGBTQIA+ na cidade de Viseu com a 6ª Marcha de  Viseu pelos Direitos LGBTQIA+ sob o mote “Pela justiça interseccional, contra a opressão  estrutural”. Uma marcha no interior do país, outrora capital nacional da homofobia, que  relembra como o caminho da igualdade mostra tardar em cumprir-se. Como apesar de nas últimas duas décadas se ter assistido ao desenrolar de leis em prol da igualdade e não discriminação com base na orientação sexual, identidade e ou expressão de género, as  práticas sociais continuam a mostrar o símbolo da diferença entre as leis e as práticas. 

 
 
 
 
 
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Num momento de polarizações e de fundamentalismos, do uso dos social media e plataformas digitais para propagar conteúdos de desinformação e diabolização LGBTQIA+, da proliferação do medo e normalização das formas de violência no espaço público, não foram esquecidos pelo movimento activista episódios como os protestos “transfake” de  Keyla Brasil e Dusty Whistles no Teatro São Luiz em Lisboa; os ataques da “ideologia de  género” nas escolas por Rita Matias, deputada da extrema-direita no Parlamento; e por  último, a manifestação «Não há orgulho no apartheid!» contra o pinkwashing colonial  israelita que continua a explorar, matar e oprimir as pessoas LGBTQIA+ palestinianas. 

Certamente que também não foram esquecidas as formas de intolerância e violência  homofóbica e transfóbica assistidas no 1ª Pride de Évora, nas marchas de Leiria, S. João da Madeira e Bragança, ou mais recentemente, do boicote à apresentação do livro “No Meu Bairro”, o livro infanto juvenil de Lúcia Vicente, episódios que mostram como a liberdade de expressão de grupos  minoritários continuam a ser alvo de tentativas de inviabilização e censura. 

Acontecimentos tais que mostram o retrocesso democrático assistido nos últimos anos e a  evolução de dialéticas morais que colocam nas identidades e corpos LGBTQIA+ a ameaça ao  futuro da sociedade/humanidade. Portugal, mostra cada vez mais não o distanciamento  desejável mas a proximidade com o retrocesso legal assistido em países como Itália, Polónia  e Hungria. A deputada do Chega, Rita Matias, declarara publicamente que se o seu partido  formasse governo em Portugal, todas as leis produzidas em torno da igualdade e não  discriminação da identidade e/ou expressão de género, orientação sexual e características  sexuais seriam revertidas.

Sem querer criar alarmismos, talvez fosse melhor reflectirmos sobre a importância de  continuar a marchar. A necessidade de construção de alianças entre diferentes movimentos  sociais, numa luta interseccional contra a opressão estrutural.  

Num país periférico, pobre, de democracia frágil como Portugal, o movimento activista  LGBTQIA+ mostra enfrentar-se com novos desafios políticos e sociais em torno de velhas  causas como o direito à paz, ao pão, à saúde, educação e habitação. Bem sabemos sobre  quem recaem as consequências de uma crise social, política e económica, alimentada por  um contexto de guerra. Também sabemos que, se o calendário de marchas LGBTQIA+  mostrara chegar ao fim deste ano, as nossas lutas mostram estar longe do seu fim.  

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.