"Uma história, de amor, mentiras, traição e compreensão, que, por acaso, ou talvez não, se passa entre mulheres lésbicas"
Amo-te mais do que te posso dizer é o romance de estreia da autora A.M. McAndrew. Tendo como pano de fundo a cidade de Barcelona, conta-nos a história do casal Charlotte e Elena. Por circunstâncias diversas, que poderiam ser as nossas ou a de qualquer casal, a história desenrola-se culminando num triângulo amoroso. Numa escrita sagaz e na primeira pessoa, A.M. McAndrew pretende com o seu primeiro romance afirmar-se no universo da literatura LGBTQIA+.
O dezanove.pt foi conversar com autora:
dezanove.pt: O que é que os/as leitores/as podem esperar deste livro?
A.M. McAndrew: Este livro explora as relações íntimas entre pessoas, com aquilo que estas têm de complexo e apaixonante. É passado na actualidade, na cidade de Barcelona, e acompanha a vida de várias mulheres lésbicas, nos seus relacionamentos amorosos, familiares e profissionais, dando-nos uma visão intimista, na primeira pessoa.
Porquê uma relação não monogâmica e não hétero?
Acredito que no decurso das relações amorosas, sobretudo aquelas que são estáveis, duradouras e monogâmicas, as pessoas confrontam-se com os seus medos, as suas fantasias e os seus impulsos. Muitas das vezes tudo isso se passa dentro da sua mente, escondido de olhares alheios e da crítica social, outras tantas, fruto das circunstâncias e das opções, as fantasias tornam-se realidade e os impulsos passam a actos.
A Charlotte e a Elena têm uma relação monogâmica, em que a Charlotte vive a angústia de poder perder a Elena, e esta é sufocada pela ansiedade da Charlotte. A chegada da Alicia é a oportunidade de a Charlotte ir atrás de um impulso, de um desejo de “leveza” na sua vida, que o quotidiano não traz. Será que a Charllote se apaixonou? Ou encontrou apenas uma boa desculpa para deixar a Elena antes que a esta a pudesse deixar a ela? Provavelmente um pouco de ambas. É difícil ter explicações simples e únicas para justificar a quebra ou o começo de uma relação.
Quanto ao facto de o livro explorar relações homossexuais, esta foi uma questão decidida à partida. Por um lado porque esse é o meu universo, e, embora não ache que quem escreva só possa escrever sobre aquilo que é a sua vivência, o que seria a meu ver demasiado redutor, ainda assim, a visão a partir de dentro pode trazer um brilho especial às histórias. Por outro lado, sinto a necessidade de mostrar um universo onde pessoas LGBTQIA+ vivem vidas iguais a todas as outras, em esferas de influência, sucesso e glamour. Uma vida que poderia ser a de uma/um amiga/o nosso. Uma vida que poderíamos querer para nós. Embora goste de pensar que este livro contribui para enriquecer a literatura LGBTQIA+, gostava de acreditar que a história se estende além disso. A Elena e a Charlotte são mulheres lésbicas, mas isso não as define, é apenas uma parte da sua vida.
Sinto a necessidade de mostrar um universo onde pessoas LGBTQIA+ vivem vidas iguais a todas as outras, em esferas de influência, sucesso e glamour.
O que a motivou a escrever este livro?
Como referi anteriormente, acho que é importante contar histórias sobre pessoas homossexuais que se centrem na história, e não especificamente no facto de serem personagens homossexuais. Se pensarmos bem, esta história poderia ter acontecido entre uma mulher e um homem, ou entre dois homens. Não mudaria o sentido. Claro que mudaria tudo o resto, mas a essência, essa, manter-se-ia.
Na minha opinião é importante que mulheres lésbicas e homens gay se possam rever nestas personagens, mas é igualmente importante que pessoas não homossexuais sintam que poderiam ser amigas da Charlotte ou da Elena, que gostariam de fazer parte das suas vidas. A identificação e a sensação de proximidade são os principais factores para a promoção de uma verdadeira inclusão e para a redução da discriminação.
Não estaria a ser completamente honesta se não dissesse que uma das grande motivações para este livro é o quanto eu gosto de escrever histórias que eu própria gosto de ler.
Quais as barreiras que se pretendem ultrapassar com o romance?
Apesar de nos últimos anos terem surgido mais livros com personagens LGBTQIA+, este ainda é um universo pouco presente na literatura, sobretudo quando falamos de romances. Se pensarmos na literatura escrita em Portugal, diria mesmo que é quase inexistente. Este livro pretende contar uma história, de amor, mentiras, traição e compreensão, que, por acaso, ou talvez não, se passa entre mulheres lésbicas. Trazermos situações do quotidiano, explorarmos personagens que poderiam ser uma de nós ou uma amiga nossa, cria uma aura de conforto e segurança quando no dia a dia lidamos com situações eventualmente parecidas.
Outro aspecto importante que não queria deixar de salientar, é que procurei incluir na história alguns pontos específicos. Por exemplo o facto de a Charlotte ser uma mulher de ascendência senegalesa, e por isso de pele negra, ou o facto de ser particularmente rica e bem sucedida. Estou convicta de que a mudança de mentalidades passa por termos, e veicularmos sempre que possível, imagens de modelos positivos. Por exemplo, a Michelle Obama ou a Serena Williams, são importantes modelos positivos para o empoderamento de mulheres e meninas de pele negra. No caso específico da orientação sexual, veja-se a importância de figuras mediáticas como a Megan Rapinoe ou a Jodie Foster, ou de figuras proeminentes no meio empresarial como a Julia Hoggett, que se tornou a primeira pessoa assumidamente homossexual, no cargo de CEO do London Stock Exchange.
Por exemplo, a Michelle Obama ou a Serena Williams, são importantes modelos positivos para o empoderamento de mulheres e meninas de pele negra. No caso específico da orientação sexual, veja-se a importância de figuras mediáticas como a Megan Rapinoe ou a Jodie Foster, ou de figuras proeminentes no meio empresarial como a Julia Hoggett, que se tornou a primeira pessoa assumidamente homossexual, no cargo de CEO do London Stock Exchange.
Qual a fonte de inspiração para o presente livro?
Este livro teve inspirações distintas que lhe deram um contexto em termos de espaço, de tema e da forma como as relações se estabelecem num cenário de vida diária, tão real, que podia ser o nosso dia de amanhã, que começa com um olhar no espelho, um lavar de dentes com o pensamento longe, perdido em memória e um duche rápido, com a água a correr sobre a cabeça.
Barcelona faz parte da minha vida, e é uma cidade suficientemente intensa para acreditar que tudo pode ter lugar, é grande e intimista ao mesmo tempo, clássica e disruptiva como poucas.
O tema do livro passa pelo medo da perda. A antecipação que se sobrepõe ao presente e a necessidade de controlar os acontecimentos, antes mesmo destes terem lugar. A ideia original veio do cruzamento de algumas músicas de que muito gosto.
O contar a história de forma muito próxima, entrando no dia a dia das pequenas coisas das fatias de vida lembra-me um autor de quem muito gosto, e que é seguramente uma fonte de inspiração, David Lodge.
O contar a história de forma muito próxima, entrando no dia a dia das pequenas coisas das fatias de vida lembra-me um autor de quem muito gosto, e que é seguramente uma fonte de inspiração, David Lodge.
Quais/quem são as suas fontes de inspiração?
As minhas fontes de inspiração são muito diversas e interceptam-se em perspectivas diferentes. Eu gosto de escrever sobre o tempo presente, e a vida do dia a dia no mais quotidiano das nossas experiências. Quanto às personagens tento conviver com elas como se fossem amigas, pessoas que conheço bem, e às vezes vou descobrindo ao longo da história, sei o que gostam o que detestam, o que pensam, e às vezes até os seus segredos mais íntimos. Como já disse, David Lodge foi uma influência importante, mas também poderia referir Frank Ronan ou até mesmo Agatha Christie. De uma forma diferente, na importância da intimidade, no vasculhar da mente e dos seus segredos, diria que uma fonte de inspiração é Joan Didion.
Às vezes perguntam se os meus livros têm alguma coisa de autobiográfico. Uma das coisas que é importante para mim enquanto escritora de ficção é o distanciamento entre a minha vida e as minhas histórias. Por isso diria que a resposta é não. É certo que há sempre alguma coisa de nós em cada história, em cada personagem, um traço de alguém que conhecemos, uma história que ouvimos, mas no essencial, é a minha forma de escrever ficção. É isso mesmo, ficção, alguma coisa que se poderia ter passado, mas nunca ocorreu.
Como é que a escrita entrou na sua vida?
Posso dizer que a escrita sempre fez parte da minha vida. Em criança gostava de escrever, e desesperava os/as professores/as ao dissertar páginas sem fim sobre os temas mais díspares. Gostava de pensar que era capaz de escrever sobre qualquer tema e nunca tinha dificuldades em encontrar palavras para encher páginas a fio.
Mais tarde a escrita tornou-se diferente, em termos profissionais, enquanto investigadora, escrevi inúmeros artigos e alguns livros técnicos. Embora goste de escrever, este tipo de escrita não tem o mesmo sabor.
Avançar para o desafio de escrever um romance implicou um passo enorme. A ficção tem uma grau de exposição mil vezes maior do que a escrita científica, e um grau de dificuldade incomparável. Acho que a maturidade da idade, a sensação de realização, e até sucesso, que sinto em relação à minha carreira como investigadora, me deu a segurança para poder enfrentar este desafio, porventura o maior do meu percurso profissional.
Vai haver próximo livro? O que nos pode adiantar?
Já existem mais dois livros escritos, e um outro em fase de construção... Na verdade só existirão se a minha Editora assim o entender, mas esperamos que sim!
O segundo livro que escrevi acompanha a vida de Olívia e de Júlia, através da voz da própria Olívia e de Camila, mulher de Júlia.
"Quase todos os momentos verdadeiramente decisivos das nossas vidas são apenas nossos." É este o pensamento que passa pela cabeça de Olívia e o mote para o início deste segundo romance. Olívia é uma mulher muito determinada e trabalhadora, que acaba de assumir a direção clínica do Hospital Central. Júlia é cirurgiã cardiotorácica, casada com Camila, de quem tem um filho, Mateo. As suas vidas vão cruzar-se, nem sempre da forma mais amigável. Esta é uma história de encontros e oportunidades perdidas, de caminhos paralelos e divergentes, uma história de amor que nos mostra que, apesar das suas diferentes formas, o amor pode ser sempre encontrar o seu caminho.
Entrevista de Ricardo Falcato e Jéssica Vassalo