“A música está na minha cabeça” – o terceiro livro de poesia de Rafaela Jacinto é para quem se permite sentir
No passado sábado, dia 18 de Março de 2023, decorreu em Lisboa, na Rua das Gaivotas, a apresentação do terceiro livro de Rafaela Jacinto: “A música está na minha cabeça”. Antes do lançamento do livro tiveram lugar dois workshops, cujos donativos reverteram a favor da Associação Clube Safo.
A autora refere que se considera um cliché, na medida em que a escrita sempre esteve presente na sua vida. Para partilharem consigo a apresentação da sua mais recente obra de arte, Rafaela escolheu Ana Freitas Reis, alguém com quem se identifica muito com a escrita; Fernando Pinto Amaral, que conhece desde os seus 15 anos, quando este foi convidado para ir à escola que frequentava na altura, após vencer um concurso de escrita; André Teodósio, uma figura de amor de há muitos anos; Maribel Sobreira, alguém com uma forma de pensar muito visual; e o seu editor – Hugo de Oliveira. Todes parecem partilhar de um pensamento comum – Rafaela Jacinto é alguém especial e isso é visível na sua escrita.
A escritora considera que o que distingue este livro das suas duas obras anteriores é o facto de ser muito cru, de ser mais universalista mas ao mesmo tempo individual, ser mais pensado “e tem esta questão das vozes que eu fui falando e dos vários géneros”.
Rafaela Jacinto produz poesia desviante, o que para si significa “pegar nas coisas do quotidiano, coisas que são muito comuns e que as pessoas não gostam de escrever sobre, e torná-las visíveis, dar-lhes voz”. É um tipo de escrita que não segue um padrão, uma norma, que tenta romper com a estética vigente, sendo que Rafaela refere que não se identifica nada com o estar em correntes.
Na sua escrita abordam-se as ruínas do capitalismo, mas também as ruínas emocionais: as individuais e colectivas, aquelas que reflectem uma sociedade onde sentir nem sempre parece ser aceite e compreendido e menos ainda que se fale disso aberta e sinceramente; uma sociedade onde falta SER e permitir que se seja.
“Eu acho que as pessoas queer têm uma personalidade, pode ser arriscado dizer isto, baseada em camadas de traumas e de vigilância, porque és habituada a uma série de micro-agressões e isso torna-te a vida um pouco mais difícil”. Isso reflecte-se na sua escrita, assim como os seus poemas revelam um processo de dor e luto que tem estado a viver, fora de uma experiência normativa e hetero-patriarcal. Reflectem também os traumas que tem das micro-agressões e homofobia de que afirma ainda ser vítima.
Rafaela acredita que as suas palavras podem chegar a várias pessoas, havendo identificação, uma vez que aborda temas muito comuns, sendo que adverte que por isso mesmo, não há um embelezamento das experiências/vivências que relata.
Para além de referir que a arte está muito capitalizada e que se encontram muitas dificuldades ao nível dos apoios e tudo mais, a artista afirma que considera como maior dificuldade no meio artístico o encontrar pares para trabalhar, pessoas que tenham realmente coisas para dizer e não apenas para preencher cotas, o que acaba por limitar a criação e a genuinidade, quando a criatividade deveria, no seu entender, ser livre.
“A poesia é um bocadinho de tudo: é uma catarse, e é um jogo, é brincar com isso, com as palavras, eu tanto acredito em Deus como desacredito e tanto acredito no marketing como desacredito”. A sua poesia é sincera e irónica. Mas é também de amor e de desamor, de extâse e dor, de felicidade e de ruína, do especial e do quotidiano.
Num dos seus poemas Rafaela Jacinto diz “Nasci para ser um cliché”, enquanto noutro afirma “Nasci para ser uma referência” – a artista queer é sem dúvida tudo isso e muito mais e é alguém que cumpre com as suas palavras o propósito daquilo que deve ser a arte, produzida por quem tem realmente algo a dizer: fazer sentir!
Paula Monteiro