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Roma, Temos um Problema – Como a Igreja Católica lidou com dois mil anos de abusos sexuais

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João Francisco Gomes, jornalista, autor de uma série de reportagens de investigação sobre os abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal, publicada em 2019 e distinguida com vários prémios de jornalismo, traz-nos neste livro um testemunho sobre a crise e (in)capacidade da Igreja Católica em lidar com um fenómeno histórico e difuso, o flagelo dos abusos sexuais contra menores perpetrados pelos seus sacerdotes.

Neste livro encontramos uma viagem de dois mil anos que nos mostra como os abusos sexuais de menores é uma questão tão antiga quanto a própria Igreja católica. Entre a pesquisa de escritos ancestrais, em documentos oficiais e em correspondência entre elementos da hierarquia, o autor encontra múltiplas referências que comprovam o envolvimento sexual de membros do clero com crianças e jovens desde os primórdios do catolicismo, assim como dos malabarismos da hierarquia eclesiástica em fazer encobrir estes casos e da necessidade em produzir legislação preventiva e punitiva dos abusos sexuais dentro da instituição.

Apesar de não ser recente a produção de legislação eclesiástica que versa sobre os abusos sexuais, foram necessários séculos de encobrimento para que, a 9 de Maio de 2019, o Papa Francisco publicasse na carta apostólica Vos estis lux mundi (“Vós sois a luz do mundo”) orientações centrais que facilitassem o processo de denúncia, acompanhamento e responsabilização dos sacerdotes envolvidos nas práticas de abuso, dotando a esta instituição milenar em uma das mais competentes do mundo em lidar com crimes de pedofilia.

Como também sabemos, não é de agora o interesse da Igreja em legislar sobre sexualidade. Entre a sua vontade de perseguir e condenar as práticas sexuais a Igreja ditava o que os fiéis podiam ou não fazer na cama; condenando a homossexualidade enquanto “pecado contra a natureza” – prática ainda contundente nos dias de hoje -; do celibato obrigatório pelos membros do clero ou ainda do controlo do casamento, mostrava encontrar formas de regulação e preservação do seu poder moral perante os comportamentos sociais. E é, porventura, nesta parte que o texto nos pode despertar especial desassossego no entrecruzar constante dos conceitos de abuso de menores com a homossexualidade, discurso preteridamente defendido pela Igreja para condenar de forma violenta “os imagináveis  e irreversíveis pecados da carne e da sodomia”. No texto recorda-se que, no Portugal seiscentista, o número de condenados à morte por práticas homossexuais já se assemelhava ao número de condenados por heresia, o crime pelo qual a Inquisição teria sido criada para combater.

Preocupada com a virtude do espírito e moralidade dos comportamentos sexuais, a Igreja católica mostrara durante séculos falhar na protecção e defesa de menores vítimas de abuso sexual pela hierarquia eclesiástica. Mantidos em segredo os abusos eternizavam-se pelo silêncio e medo das vítimas que fazia.

Segundo João Teixeira Gomes, foi apenas nos anos 1980 que as denúncias se multiplicaram em escala global. Primeiro nos EUA e depois no resto do mundo, por meio da investigação dos media, iam sendo retratados os horrores vividos em segredo por centenas de crianças confiadas aos cuidados de sacerdotes criminosos. Em Portugal, apesar de não existir uma ideia clara da verdadeira dimensão histórica do problema, a realidade não mostra ser diferente. Em Dezembro de 2012, a detenção do padre Luís Mendes, no Fundão, colocara os abusos sexuais na Igreja no topo da agenda mediática portuguesa. Anos antes, na década de 1990, o caso do padre Frederico Cunha, no Funchal, julgado não apenas por abusos sexuais, mas também pelo homicídio de um menor, desertado para o Brasil, mostrara a incapacidade da Igreja em lidar com o problema. 

No presente ano da Jornada Mundial da Juventude, a realizar-se em Portugal, o país constituiu recentemente uma Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja, tendo já sido revelados 424 testemunhos de abusadores entre 1950 e 2022. Também, de acordo com o autor, em 2020 todas as dioceses portuguesas teriam cumprido o pedido do Vaticano para a criação de comissões diocesanas para a protecção de menores e adultos vulneráveis. Assim, o desafio mais premente da Igreja passa não só pela identificação das suas fragilidades históricas como permitir que as recentes transformações legislativas se traduzam na prática.

 

Editor: Tinta da China

Ano: 2021

432 páginas, formato 21 x 14 cm

ISBN 978-989-671-629-5 

PVP:  19,71€

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.