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A dissonância do assédio: o abuso sexual na indústria musical

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 A cantora Britânica Raye na imagem

Na indústria musical, a relação entre artistas femininas e produtores muitas vezes esconde histórias dolorosas e perturbadoras de assédio sexual. Os casos emblemáticos de artistas como Kesha, Lady Gaga e Raye lançaram luz sobre um problema profundamente enraizado: o abuso de poder e as práticas predatórias por parte de alguns produtores, transformando estúdios de gravação em locais de vulnerabilidade para as artistas.

 

Kesha, viu-se presa numa batalha legal prolongada contra o seu produtor, alegando agressão sexual e emocional. Lady Gaga, uma presença incontestável na indústria, falou abertamente sobre os desafios que enfrentou, incluindo o trauma que afectou a sua jornada após ter sido vítima de abuso. Raye uma artista emergente, também expôs casos de assédio e pressões exercidas por produtores, revelando a dinâmica tóxica e desequilibrada que muitas artistas enfrentam.

Estes casos representam apenas a ponta do icebergue de uma questão muito maior, em que o poder desequilibrado e a falta de estruturas de apoio podem levar as artistas femininas a situações de vulnerabilidade e abuso na procura por sucesso no mundo artístico. Esta temática vem quebrar o silêncio sobre o assédio sexual perpetrado por produtores musicais e a necessidade premente de um diálogo aberto e mudanças substanciais para proteger e apoiar as artistas femininas.

 

#FreeKesha  

Foi um dos casos mais chocantes da indústria musical e que gerou uma batalha quase interminável na justiça americana. 

A disputa judicial entre a cantora e o produtor terminou este ano após nove anos de uma luta exaustiva.

Kesha tinha apenas 17 anos quando conheceu Luke que lhe prometeu uma carreira promissora debaixo dos holofotes da Pop Music, fazendo assim, com que os dois entrassem em acordo num contrato que dava exclusividade ao produtor para a gravação de vários álbuns com a artista.

Em Outubro de 2014, Kesha iniciou uma acção judicial na Califórnia, contra o produtor Dr. Luke, alegando que a sua experiência de trabalho com ele se assemelhava a uma "prisão de abuso". A artista relatou que foi vítima de agressão e assédio sexual, violência baseada em género, assédio civil, práticas comerciais desleais e lhe foi infligido sofrimento emocional. A estrela da pop tinha apenas 18 anos quando tornou público que Dr. Luke a coagiu a consumir drogas e álcool de forma a abusar dela. 

Kesha pediu para ser libertada do seu contrato com a gravadora, mas foi-lhe negado pelos juízes americanos a favor dos depoimentos de Luke. O produtor, que já tinha trabalhado com Katy Perry e Miley Cyrus, negou todas as acusações defendendo-se como sendo vítima de difamação.

O movimento #freekesha surgiu da fandom da cantora e foi apoiado pela sororidade de outras artistas como Adele, Lorde, Lady Gaga e Taylor Swift que inclusive doou valores monetários a Kesha a fim de a ajudar com os custos processuais. 

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Na imagem Kesha presente num dos julgamentos acompanhada da Mãe e do namorado

 

Em 2020 e ainda “presa” à Kemosabe (produtora fundada pelo Dr. Luke) a cantora lançou um dos hits mais tocantes da história da música pop actual, Praying mostrou a vulnerabilidade da artista numa letra brutalmente sensível onde se pode perceber o quão afectada estaria com todo o caminho da sua vida até ali “Porque é que fui abandonada por tudo e por todos? Qual é a lição? Qual é a finalidade? Deus dá-me um sinal ou terei de desistir, não consigo continuar mais nisto...” O single tornou-se um hino contra a depressão, o abuso mental e todas as relações tóxicas. 

Gag Order (2023) foi o último álbum lançado pela cantora, libertando legalmente Kesha do processo contratual com a RCA e a Kemosabe.

A artista permanece uma figura e voz proeminente contra a exploração na indústria do entretenimento.




Gaga quebra silêncio

Foi durante um episódio do programa “The Me You Can See” apresentado por Oprah Winfrey que Lady Gaga confessou detalhes perturbadores sobre uma violação que sofreu aos 19 anos. A estrela pop, conhecida pela sua honestidade e defesa da saúde mental, abriu-se sobre a agressão sexual que já havia revelado publicamente em 2014.

Gaga descreveu o momento em que um produtor a pressionou a tirar a roupa quando ela estava no início da sua carreira. "Eu disse não. Saí, mas eles disseram que iam queimar as minhas músicas. E eles não pararam. Congelei e nem sequer me lembro. A pessoa que me violou deixou-me grávida numa esquina", compartilhou, sem revelar o nome do agressor.

A cantora explicou que a agressão teve um impacto devastador na sua vida. "Eu era uma casca de mim própria até certo ponto", confessou. Só sete anos depois é que a Mother Monster (apelido usado pelos seus fans) foi capaz de compartilhar a terrível experiência com alguém, sentindo-se incapaz de aceitar e lutando contra a auto-culpa. A agressão sexual, mudou fundamentalmente quem ela era, afectando o seu corpo e pensamentos. A estrela norte-americana revelou que o trauma resultante da violação a levou ao desenvolvimento de um transtorno de stress pós-traumático.

Em 2016, enfrentou críticas públicas do jornalista Piers Morgan por não denunciar a agressão imediatamente. No entanto, Gaga ressaltou que lidar com o trauma não é um processo linear e que ela começou a sentir uma dor intensa em todo o corpo anos depois.

 

Lady Gaga descreveu a sua reacção tardia como um "surto psicótico total". Ela revelou ter experimentado uma sequência de dor física e emocional, lembrando-se vividamente do momento em que a pessoa que a violentou a deixou grávida. A divulgação desses detalhes cruéis destaca não apenas a coragem de Gaga em compartilhar a sua dor, mas também destaca a urgência de apoiar e compreender as vítimas de violência sexual, reforçando a complexidade do trauma que pode persistir por muitos anos após o evento.

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Lady Gaga durante a entrevista do programa “The Me You Can See” (2021)



O pesadelo que trouxe a inspiração: RAYE

Raye, uma talentosa cantora e compositora britânica, considerada uma das maiores apostas da pop dance actual, abriu recentemente uma janela para sua própria experiência de assédio sexual na indústria. Em entrevistas compartilhou detalhes sobre os desafios que enfrentou, destacando a importância de confrontar a realidade e promover a mudança. “Ice Cream Man” foi o single que deu origem a esta mensagem que a artista quis passar para quebrar o silêncio do que ainda hoje continua a ser um problema contra as mulheres, a escolha da metáfora para o título da canção adiciona uma camada adicional à complexidade da narrativa. Enquanto a doçura do gelado evoca uma imagem aparentemente inocente, Raye usa isso como uma metáfora para destacar a falsa doçura que muitas vezes encobre o comportamento predatório na indústria musical. Visivelmente afectada com o passado a cantora que colocou temas como “Escapism” nos hits mais ouvidos de 2023 confessou à imprensa: Quando sofri agressão sexual e violação, não contei a ninguém. 1 em cada 4 pessoas sofre violência sexual durante a vida. As chances são de que pelo menos 25% de vocês estejam lendo isso” A letra de Ice Cream Man é das primeiras entre artistas a falar sobre esta temática abertamente: Eu coloco caras fingindo que estou bem, mas depois vou ao WC e faço rebobinar na minha cabeça, sempre em voltas na minha cabeça, as tuas impressões digitais deixaram marcas na minha pele. Fizeste com que me enquadrasse no pecado da tua patética desculpa de seres um homem.”

Raye quis deixar na sua mensagem um remate para que nenhuma outra mulher tenha de sofrer o que ela mesma e muitas outras passaram. “Este mal tem mais poder sobre nós na escuridão do que na luz” desabafou em entrevista à BBC.



Texto: Filipe Lima

Imagens: IMDB, Rolling Stone