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Bia Ferreira estreia-se a cantar rap no MusicBox: A Tecnologia Afecto como forma de luta

bia ferreira

No início da noite, foi Umafricana que esteve a cargo, com propostas de DJing de swing africano. A sala do Musicbox foi se enchendo para mais um concerto de Bia Ferreira. As conversas eram preenchidas pela vontade de ver a estreia da cantora brasileira, fundadora da igreja “Lesbiteriana”, no rap (sigla das palavras inglesas "rhythm and poetry"). 

Depois veio Exu, com a sua energia, abrindo os caminhos da palavra feita poesia e canto. A palavra é a essência da obra de Bia Ferreira, num ambiente pós-eleições legislativas em Portugal. O recado foi dado com muito destaque: “A gente já viveu isso, por isso Portugal está seguindo o mesmo caminho que o Brasil há 4 anos”. Bia estava falando da extrema-direita e de sua voracidade em retroceder os direitos das pessoas LGBTQIA+, das mulheres negras e das mulheres trans.

O concerto misturou letras antigas às do novo álbum duplo intitulado “Faminta”. Dividido em duas partes, “Faminta” busca partir do amor para a acção política através do que chama de Tecnologia do Afecto, um espaço de luta que tem início com um sorriso. A proposta da cantora foi-se intensificando a cada rima e, utilizando os mecanismos rituais das igrejas evangélicas de tradição americana, foram transmitidas mensagens de mobilização e acção.

O primeiro recado foi transmitido pelo microfone na música “De Dentro do AP” (lê-se apê), criticando as pessoas de esquerda que permanecem na internet mas não saem às ruas para se mobilizar com aqueles que mais sofrem. Além disso, denunciou a covardia de muitos por trás das redes sociais, incapazes de propor ideias para uma vida mais justa e progressista.

“Quantas vezes você você saiu do seu apartamento

E chegou no térreo com um prato de alimento

Pra tia que tava trampando no sinal

Pra sustentar os quatro filhos que já tá passando mal de fome?” (excerto da música “De dentro do AP”)

O segundo recado foi expresso na forma de um desejo: “Que nós, mulheres, consigamos ocupar o espaço que merecemos em nossa sociedade. Amém!”, lançou à plateia, que respondeu com mãos ao ar. Bia Ferreira tem uma conexão especial com Lisboa. A cidade, marcada pela expansão europeia, pelo colonialismo e pela barbárie transoceânica, representa uma chance de reflectir sobre os impactos do colonialismo, do racismo e da violência de género. Uma cidade que se recusa a pausar para auto-análise, gentrificada, afasta os que aqui vivem e trabalham. Um cenário propício para extremismos e oportunistas. Por isso, Bia Ferreira sugere uma substituição das tecnologias da opressão, como o racismo e a guerra, pelas tecnologias do afecto. Bia afirma:

“A gente esquece que o afecto pode mudar o dia de alguém. São três segundos do seu dia dedicados a sorrir para alguém que você não conhece. Você não sabe como foi o dia dessa pessoa. Três segundos podem mudar a vida dos outros e a sua. Esquecemos de entrar no Uber e dizer: bom dia!” – provocando risos na plateia. Em seguida, recorrendo ao mecanismo de participação ritual da igreja Lesbetiriana, fez com que a sala repetisse: “O afecto é a tecnologia da sobrevivência”. Após várias repetições, Bia Ferreira lembrou:

“Se ninguém te avisou, você está em um culto da Igreja Lesbetiriana”.

O concerto prosseguiu com a música de groove "Tecnologia Afriodiaspórica", do novo álbum "Faminta", já disponível nas plataformas de streaming musical. A letra invoca os valores pregados por Jesus como fonte de inspiração para a luta em prol da tecnologia do afecto, sugerindo uma ponte entre ensinamentos antigos e necessidades contemporâneas de solidariedade e compreensão mútua. Este momento do concerto destaca uma fusão entre musicalidade rica e mensagem profunda, onde a arte se encontra com o activismo, convidando o público a refletir sobre como os princípios de amor e empatia podem ser instrumentalizados para enfrentar os desafios sociais de hoje. Através desta canção, Bia Ferreira propõe uma reflexão sobre como as lições de compaixão e amor ao próximo, frequentemente associadas à figura de Jesus, podem ser aplicadas para criar uma sociedade mais justa e afectuosa, utilizando a tecnologia do afecto não apenas como uma ferramenta de resistência, mas como um meio fundamental de transformação social.

Bia chuta: 

“São senhores

De gravata e de terno usando o nome de Deus

Pra arrancar o seu dinheiro, tudo que for seu

Casa, o carro, a senha do cartão

E se acabar a grana: TEM QUE TER MAIS FÉ, IRMÃO

Jesus não era crente e nem era judeu

Era o homem que lutava contra aqueles fariseus

Informação liberta

Informe de norte a sul

Tecnologia afrodiasporica Bantu

Informação liberta

Informe de norte a sul

Tecnologia afrodiaspórica” (excerto da música “Tecnologia Afrodiaspórica”)

bia ferreira

Bia Ferreira, ao longo do concerto, não apenas partilha música, mas também visões de mundo, incentivando uma dieta rica em conhecimento, informação crítica, justiça e amor. Ela expressa um desejo genuíno de impactar positivamente aqueles ao seu redor, afirmando: "Eu desejo que você saia daquela porta melhor pessoa do que entrou nesta sala". Essa mensagem ressoa profundamente em um evento que transcende o mero entretenimento, transformando-se em uma experiência de aprendizagem e inspiração.

No final do concerto, num gesto de reconhecimento e gratidão, Bia Ferreira pediu que seu agente subisse ao palco. Ele agradeceu ao público, aos músicos, e a todos os envolvidos por compartilharem os riscos e a visão de introduzir Bia Ferreira no cenário musical português, uma aposta que demonstrou não apenas coragem, mas também uma profunda crença no poder transformador da música e das mensagens da artista.

Através de suas letras, Bia estabelece um diálogo com o público, mesclando ritmos envolventes com palavras que provocam reflexão. A palavra poética, tão central em sua obra, serve como uma ferramenta poderosa que incita à reflexão, desafiando o público a questionar e a repensar suas perspectivas sobre a sociedade, o amor e a justiça.

A noite terminou com uma energia contagiante, reflectindo a essência do que Bia Ferreira trouxe para o palco do Musicbox. À medida que as pessoas saíam, elas cantavam "Xaramanaia!", um refrão que se tornou um mantra da noite, simbolizando a ideia de deixar para trás as frustrações e desafios, para abraçar o que de melhor o mundo tem a oferecer. Esse momento colectivo de alegria e união destacou o impacto emocional e cultural de sua música e palavras, reforçando a mensagem de que, independentemente das adversidades, é possível seguir em frente com positividade e esperança.

Mais vídeos aqui: https://www.youtube.com/@dezanovetv/videos

André Castro Soares