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"Devemos unir as diferentes lutas e fazê-las interseccionais de forma a lutarmos não somente por nós e pelo o que nos afecta directamente, mas aprendermos a lutar por todas as pessoas e por todos os direitos"

Joacine Katar Moreira - créditos: Mariline Alves

5.5 Uma série de cinco entrevistas que terminamos hoje efectuadas a cinco pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram positivamente para que tenhamos Orgulho em sermos quem somos e que nos tenham inspirado e facultado os seus conhecimentos em prol de um país melhor. 

Esta semana falamos com a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, uma aliada da causa LGBTI+, feminista intersecional e activista antiracista. 

 

Como olha para a integração das pessoas LGBTI+ na sociedade portuguesa ao nível de direitos conquistados na última década? O que falta fazer e tem tentado fazer no Parlamento, enquanto deputada, em prol das pessoas LGBTI+?

Os direitos das pessoas LGBTQI+ são Direitos Humanos e as conquistas legislativas e outras das pessoas LBGTQI+ são reflexo do avanço das nossas sociedades, e portanto, conquistas de todas e todos nós independentemente da orientação sexual ou identidade de género. Em Portugal, posso destacar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em 2010, a adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo em 2016 e o reconhecimento do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa (aprovada numa alteração à lei de 2011 que permitiu às pessoas trans mudarem de sexo e nome no registo civil) como as grandes conquistas da década.

Porém, temos um caminho ainda distante a percorrer no que toca à Igualdade de Género, no que toca aos direitos das pessoas trans e de forma geral, no combate a todas as formas de discriminação. Neste sentido, tenho procurado impulsionar estes avanços através de iniciativas legislativas, de propostas concretas no âmbito do orçamento do estado e de outros diplomas, mas também de votos, pela sua carga simbólica e institucional.

Temos um caminho ainda distante a percorrer no que toca à Igualdade de Género, no que toca aos direitos das pessoas trans e de forma geral, no combate a todas as formas de discriminação.

Neste último orçamento do estado, consegui a aprovação do alargamento e reforço das respostas de acesso a alojamento e habitação que tem em conta as necessidades e experiências específicas das pessoas em situação de sem-abrigo, designadamente em razão da sua orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais, através da criação de uma estrutura de acolhimento para pessoas LGBTQI+ . Esta proposta aprovada viria a ser base de outras iniciativas legislativas no mesmo sentido, entre as quais a minha de reforço das respostas locais de acesso a alojamento e habitação e pela garantia dos direitos sociais das pessoas da comunidade LGBTQI+ que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, económica e emocional;

Consegui também a aprovação da criação de um Observatório Independente do Discurso de Ódio, Racismo e Xenofobia, que consta agora do Plano Nacional de Combate ao Racismo e Discriminação, que visa combater o discurso de ódio e o ambiente de impunidade reinante, nomeadamente nas redes sociais e a aprovação de uma iniciativa legislativa que recomenda ao governo o combate ao cyberbullying e a todo o tipo de violência online. 

Também no âmbito do OE2021, propus a atribuição de um subsídio excepcional a pessoas em contexto de prostituição, incluindo migrantes em situação irregular, que pensei poder também dar respostas a trabalhadorxs do sexo da comunidade LGBTQI+, que foi rejeitado por larga maioria.

Foi também rejeitado o meu projecto de resolução por uma Educação para a Sexualidade e para os Afetos cujos conteúdos reforcem a promoção da Igualdade de Género nas Escolas, a luta contra a Violência de Género e os estereótipos, no qual no ponto 5 da recomendação propunha o reforço, na componente educativa da temática/disciplina da educação sexual, das várias experiências da sexualidade e identidade de género, a eliminação de todas as formas de discriminação com base na orientação sexual, identidade ou expressão de género e características sexuais e no ponto 6 pedia a inclusão de activistas e outras/os convidadas/os nas aulas de Educação Sexual, entre as quais pessoas transgénero e não-binárias, promovendo a luta contra o estigma. 

Recentemente, submeti um voto de solidariedade para com a comunidade LGBTQI+ na Hungria face à aprovação de legislação atentatória da sua dignidade e liberdade, e o projecto de resolução que recomenda ao Governo que exerça a sua acção diplomática junto da UE, promovendo a protecção das pessoas LGBTQI+ face à legislação repressiva aprovada pelo Parlamento húngaro.

Temos agora em mãos o projecto para a aprovação da regulamentação da Lei n.º 38/2018, de 7 de Agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à protecção das características sexuais de cada pessoa, acompanhando e reforçando uma iniciativa do PAN sobre a matéria; Estamos também a finalizar uma carta-compromisso dos próximos dois anos da legislatura para com a comunidade LGBTQI+ e a preparar um programa que dê visibilidade às causas trans, dando a nossa contribuição para a luta contra a transfobia.

 

Tendo em conta que a homossexualidade só deixa de ser considerada uma doença pela OMS a 17 de Maio de 1990, quais as lutas mais difíceis de travar/alcançar no plano jurídico-legal nos últimos 30 anos em Portugal?

Penso que já respondi em parte a esta questão na resposta anterior e temos, sim, assistido a alguns avanços no plano jurídico-legal, mas se a homossexualidade só deixou de ser considerada uma doença pela OMS em 1990, não podemos esquecer que só há dois anos, a 25 de Maio de 2019 é que se oficializou a retirada da classificação da transexualidade como transtorno mental da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID), durante a 72º Assembleia Mundial da Saúde. Não haverá igualdade plena enquanto os direitos das pessoas trans não estiverem assegurados por mais avanços que haja noutros sentidos. 

Não haverá igualdade plena enquanto os direitos das pessoas trans não estiverem assegurados por mais avanços que haja noutros sentidos.

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Num país em que ainda existe muita LGBTQIA+fobia, conseguimos com as conquistas de direitos, nomeadamente as que mencionei na resposta anterior, naturalizar a presença das pessoas LGBTQIA+ na sociedade portuguesa, mas importa descentralizar o destaque aos direitos dos homens gays e colocá-los no mesmo patamar de importância, e nomeadamente no plano jurídico-legal, da luta das mulheres lésbicas contra a misoginia que sofrem dentro e fora da sua comunidade, a luta pela vida, saúde e bem-estar das pessoas trans, e a luta por visibilidade e reconhecimento das pessoas bissexuais, assexuais e não-binárias.

 

Importa descentralizar o destaque aos direitos dos homens gays e colocá-los no mesmo patamar de importância, e nomeadamente no plano jurídico-legal, da luta das mulheres lésbicas contra a misoginia que sofrem dentro e fora da sua comunidade, a luta pela vida, saúde e bem-estar das pessoas trans, e a luta por visibilidade e reconhecimento das pessoas bissexuais, assexuais e não-binárias.

Temos o caso recente do Tribunal Constitucional ter considerado inconstitucional a lei 38/2018, que veio estabelecer o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e à protecção das características sexuais de cada pessoa nas escolas, e farei por contribuir para que a inconstitucionalidade seja sanada o mais urgente possível, de forma a assegurar a segurança e bem-estar dxs jovens trans.

 

A pandemia que atravessamos veio expor algumas fragilidades com que as pessoas LGBTI+ se deparam. O que podemos fazer para colmatar as desigualdades acentuadas pela pandemia? É preciso falar mais em interseccionalidade?

Sim, tenho falado sempre da necessidade de uma perspectiva e de uma prática interseccionais nas políticas da Igualdade mas também para uma maior representatividade. Olhando para o caso da Assembleia da República, enquanto xs deputadxs eleitos não forem o espelho das nossas ruas e da pluralidade das nossas pertenças, o Parlamento não será o melhor exemplo da democracia representativa. Claro que há e haverá muita resistência, porque não há mudança sem questionar as estruturas e estas defendem-se sempre com bastante violência.

Enquanto xs deputadxs eleitos não forem o espelho das nossas ruas e da pluralidade das nossas pertenças, o Parlamento não será o melhor exemplo da democracia representativa.

A pandemia expôs as insuficiências do sistema. As pessoas que já se encontravam em situação de vulnerabilidade social viram essa condição intensificar-se de forma terrível. Aqui entram muitas pessoas LGBTQI+ com dificuldade de acesso ao emprego e à habitação, por exemplo, cuja condição precária e de grande instabilidade foi aumentada, apesar de iniciativas importantes como a Casa T, que procura dar respostas às questões de alojamento das pessoas trans, por exemplo. Em termos de acesso à saúde, aponto também situações a que tenho tido acesso, como os atrasos nas consultas e acesso à medicação, que só pode ser levantada nas farmácias do hospital das PrEP por causa da pandemia.

Temos assistido também à pouca preparação do SNS para dar respostas eficazes às pessoas trans, dos atrasos e complicações nas consultas, muitas acompanhadas fora da sua área de residência e penso no caso da vacinação também, na qual a impreparação e pouca atenção à situação das pessoas trans foi evidente, apesar de estar melhor agora.

 

Irá participar em algum evento LGBTI (presencial ou online) este ano ou em breve? Qual a importância da sua presença?

Tinha tudo preparado para a Marcha, cartazes feitos com muito amor e muita vontade de gritar por Liberdade e Igualdade e lamento que tenha sido adiada, embora entenda os motivos. Iria como aliada e não para destaque pessoal ou político, para juntar a minha força à luta, pois considero importante que todas as pessoas aliadas se juntem, mantendo sempre o respeito e consideração pela história de manifestações como a Marcha do Orgulho e alavancando as vozes das pessoas LGBTQIA+, cedendo-lhes todo o destaque. Aliados cis e hetero em pride, como os aliados brancos na luta antirracista, não devem procurar o seu destaque, mas sim o das pessoas de quem se dizem aliadas. Estou expectante pela nova data. 

Tenho recebido mais convites de fora mas, a não ser por motivos de agenda, costumo participar e estar presente sempre que posso. Não pude participar agora no evento "Parliamentary Caucuses on LGBTIQ Rights: Engaging policy- and law-markers" a 19 de Agosto nem na Marcha de Copenhaga, a convite do Intergrupo LGBTI no Parlamento Europeu, com bastante pena.

 

Que mensagem gostaria de deixar agora que já passou o mês do Orgulho LGBTI+?

A primeira é dizer que todos os meses são de e da luta. Que as lutas da comunidade LGBTQIA+ por justiça e direito à existência e prosperidade são também minhas devido à minha militância e feminismo interseccional. Dizer ainda que vivemos tempos desafiantes, tanto nacional como internacionalmente, e que devemos unir as diferentes lutas e fazê-las interseccionais de forma a lutarmos não somente por nós e pelo o que nos afecta directamente, mas aprendermos a lutar por todas as pessoas e por todos os direitos que melhoram as nossas leis e as nossas práticas.

Como disse antes, conto apresentar no início da próxima sessão legislativa um documento com o meu compromisso para este mandato, com o que fiz mas sobretudo com o que procurarei fazer até ao final desta legislatura.

 

 

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