"A Campânula de Vidro" de Sylvia Plath
The Bell Jar ou, na versão portuguesa, "A Campânula de Vidro", editado pela primeira vez em 1963, em Inglaterra, é o único, ainda que polémico, romance de Sylvia Plath. Assinado com o pseudónimo de Victoria Lucas, este romance mostra um estilo único de expressão literária pela combinação ficcional e autobiográfica dos episódios e personagens narradas.
Em torno da crise psicológica da narradora encontramos os sintomas conservadores e patriarcais experimentados por Plath na sociedade americana dos anos 1950. Uma sociedade que ditava o destino feminino ao papel doméstico, o de mãe e de esposa, da submissão sexual à volúpia masculina. Este retrato mostraria ser decisório para o colapso mental quer de Plath como da protagonista do romance.
A protagonista, Esther Greenwood, é uma jovem estudante americana que durante o seu estágio numa revista feminina em Nova Iorque, “Ladies Day Magazine”, experimenta na vida Nova Iorquina o stress e desilusão de um estilo de vida há muito idealizado. Embora rodeada da companhia das suas amigas e colegas de redação, das soirées luxuriantes, dos encontros e tentações masculinas, percebemos a imensa solidão que rodeava Esther, preferindo recolher-se ao isolamento da sua leitura e criação poética às provocações da vida social.
É no seu regresso a casa, em New England, que a miséria psicológica de Esther se adensa. Tomando conta do seu corpo, da sua auto-confiança, Esther deixa de conseguir dormir, ler, escrever, por dias a fio. Incentivada pela mãe a tratamentos psiquiátricos, entre os quais o recurso à terapia eletroconculsiva, encontramos a personagem perdida em pensamentos autodestrutivos consecutivos, decidindo por termo à sua vida. O episódio em que Esther é encontrada esvaecida nos calabouços da sua casa, num limbo entre a vida e a morte, numa minúscula fenda de terra sem luz, é sem dúvida sinistra, arrepiante, aterradora. Aguçando ainda mais o desfolhar da leitura para o desfecho da estória.
Esta obra embora não sendo recomendada a leitores que estejam a passar por um estado psicológico e emocional mais debilitado, pela dureza do tema a que se dedica, mostra-nos a importância em tornar visíveis as diferentes questões relacionadas com a saúde mental. Das necessidades específicas de quem sofre o estigma, a exclusão ou discriminação social com base na sua identidade e/ou expressão de género, orientação sexual, características sexuais, entre outras. Ainda que não seja evidente a homossexualidade de Eshter Greenwood, são várias as dificuldades que esta enfrenta numa sociedade altamente patriarcal, misógina, materialista e conservadora, tendo com isto chegado a um esgotamento mental.
Esta obra mostra-nos a necessidade transgressora das normas e expectativas sociais que prescrevem a forma como devemos ser, parecer ou nos comportar. As expectativas colocadas a Esther, embora cinco décadas decorridas da publicação do romance, continuam actuais. A feminilidade desejável, apesar dos significativos avanços em matéria de igualdade de género, continua a ser heterossexual, reprodutiva e doméstica.
As pessoas LGBTQI+, sendo expostas a ambientes sociais discriminatórios, onde o preconceito, as agressões físicas, verbais e psicológicas tendem ser normalizados, colocam-nas numa posição especial de vulnerabilidade e risco de saúde mental, de depressão, ansiedade, e suicídio. Estudos indicam que os jovens LGBTQI+ possuem taxas mais significativas de depressão do que os jovens heterossexuais. Assim como as tentativas de suicídio mostram ser maiores entre as pessoas LGBTQI+ do que a população em geral.
Precisamos de combater o estigma, olhar para as necessidades e especificidades destas pessoas e resolver o “papão” da saúde mental. Este livro é uma lição de subversão do estigma, das formas desiguais de poder, da emancipação sexual e dos códigos normativos de género. É também, um apelo ao reconhecimento da saúde mental enquanto assunto central da vida social que não devemos ignorar.
Editor: Relógio D'Água
Idioma: Português
Dimensões: 150 x 232 x 17 mm
Páginas: 248
Classificação Temática: Literatura; Romance; Ficção
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.