A história da Júlia e da sua sombra de menino
- “Porque não és como toda a gente?”
- “Eu não sou como toda a gente, mamã. Eu sou a Júlia!”
Neste primeiro diálogo, percebemos que a Júlia não é uma menina qualquer. É alguém que sabe que não precisa de ser como toda a gente, mas sim ser ela mesma, por mais que todos os outros lhe digam como se deve comportar, vestir e agir. Dizem-lhe que é sem modos, que faz de prepósito, que é maria-rapaz e isso ecoa-lhe na cabeça. Quanto mais se comporta como os outros querem, menos é feliz.
Num dia, descobre que tem uma sombra de menino e questiona-se sobre a origem das sombras. Quando pergunta se vem a sombra, ninguém vê mas ela sabe que está ali, por mais que tente evitar ou fugir dela.
Ao seu gato, conta-lhe tudo e é quando conhece um menino que chora como uma menina que percebe que afinal podemos ser menina ou menino ao mesmo tempo, basta querer. Os rótulos? “Paciência! Temos esse direito”.
Sai de cena a saber que vai enfrentar a família, mas o que compreendeu vale mais do que tudo: “Temos o direito, temos o direito – repete Júlia no caminho. Tudo pode acontecer. Mas agora ela sabe que é a Júlia”.
Este livro de Christian Buel, com o título original “Historie de Julie qui avait une ombre de garçon”, ilustrado por Anne Bozellec, é de leitura e visualização fácil, mas plena de noção do que é ter uma sombra – diria que chega a doer a quem sente essa noção ao que chamam de “sombra” e de não binarismo.
Originalmente publicado em 1976, este livro chega a Portugal pela Orféu Negro e faz parte do Plano Nacional de Leitura.
M. Pimentel Santos