Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Dezanove
A Saber

Em Portugal e no Mundo

A Fazer

Boas ideias para dentro e fora de casa

A Cuidar

As melhores dicas para uma vida ‘cool’ e saudável

A Ver

As imagens e os vídeos do momento

Praia 19

Nem na mata se encontram histórias assim

Carnaval cor de Rosa, pela vida na cidade, contra a gentrificação

vc.jpg

O Bloco da Colombina Clandestina saiu mais uma vez à rua para agregar os cidadão de Lisboa em torno da folia do Carnaval. Neste ano de 2024 a cor escolhida pelo grupo foi cor-de-rosa. Cantou-se, dançou-se e gritou-se contra a gentrificação da cidade e por Keyla Brasil. A Câmara Municipal e o seu executivo não queriam que os Blocos saíssem, escudando-se num conjunto de burocracias e leis que escondem políticas de reserva em relação aos migrantes e aos que fazem cidade. Mas os foliões saíram à rua, todos com um sorriso no rosto, a acompanhar a bateria gentil da Colombina Clandestina. 

 

Se você fosse sincera…

O Bloco da Colombina tem feito cidade ao longo destes sete anos de actividade. No discurso de abertura do cortejo Andréia Freire, maestrina da Colombina referiu que “este Carnaval é dedicado a Keyla Brasil e contra a gentrificação da cidade”, reforçando o compromisso político do carnaval e o posicionamento do Bloco. O apito e a mão da contagem deu início às batidas da bateria da Colombina. A saída de Sapadores foi seguida por milhares de pessoas que cantaram e dançaram ao som das marchas conhecidas de Carnaval. Aurora de Mário Lago e Roberto Roberti (1940) continua a movimentar os foliões. A rua encheu-se de Graça quando todos em uníssono gritaram: “oohhhhh Aurora!!!”

 

Vitor Paladini, vive há dois anos no Montijo e está no grupo de iniciados da Bateria da Colombina. Lisboa remete-o para o Rio de Janeiro e a possibilidade de aprender a sua cultura em Portugal, “está a ser uma experiência muito gratificante poder partilhar a aprendizagem no repique e a alegria do carnaval com todo o mundo”. Vítor e Laiz Soares são casados e ela dá corpo ao grupo de Bailarinas da Colombina. Para Laiz, fazer parte da Colombina, permitiu “desbloquear o receio de se apresentar em público” levando-a a “conhecer uma família”. “A gente se apoia muito e mesmo estando longe poder levar esta alegria e esse rosa para as ruas de Lisboa está a ser uma experiência boa”. 

Construir cidadania e comunidade numa cidade que se diz muito aberta ao mundo, mas onde ainda persistem o racismo, o machismo e a homolesbotransfobia. Ao mesmo tempo aprender ritmos e ligar as pessoas pela arte. Rafa Manini também se arriscou na aprendizagem do surdo, instrumento da Bateria de Carnaval. Para Rafa a comunidade brasileira pode ajudar a criar laços de cidadania e de comunidade, “porque a nossa cultura é linda e necessita ser mostrada”, refere numa altura em que a indiferença perante os mais necessitados aumenta. 

 

Bella Ciao, Bella Ciao

O Bloco segue pela rua da Graça. O naipe dos sopros dá o mote para o início da música popular Bella Ciao cantada pelas trabalhadoras sazonais das plantações de arroz do Norte de Itália. Os foliões cantam e saltam nas laterais do Bloco e das varandas acenos e muitas serpentinas. Uma moradora à varanda é homenageada com a música gerando uma momento de grande comoção: “Bella ciao ciao ciao, ma verrà il giorno che tutte quante Lavoreremo in libertà!

Para Tuíla Teixeira, monitora dos repiques da Colombina, os migrantes não podem estar em Lisboa como pessoas que “servem apenas para pagar impostos”. Tuíla acrescenta mesmo que “essa é uma grande manifestação popular e a gente está aqui para fazer uma grande comunidade, ocupar as ruas e agregar, não só os brasileiros, mas os portugueses também para fazermos uma Lisboa cada vez melhor”.

A Bateria seguiu levantando o chão com as marchinhas como “Cachaça não é água….”, a “Turma do Funil” e uma versão da Colombina do fado de Amália Rodrigues “Cheira bem, cheira a Lisboa” que tão bem retrata a essência poética dos lisboetas. 

 

 

 

Luz de Tieta 

Muitos foliões esperavam um momento de palco no Largo da Graça, mas como até à última hora a Câmara Municipal não deu autorização para que houvesse esse momento a Colombina acabou obrigada a seguir colina abaixo até ao Campo de Santana. Antes, porém, os foliões e folionas tiveram a oportunidade para cantar a música “A Luz de Tieta” de Caetano Veloso, que acompanha a manifestação do Carnaval em Lisboa. O maior bloco de Carnaval da cidade capital de Portugal tem conseguido com a sua dinâmica cultural assinalar esta data de forma muito marcante, numa cidade onde não havia tradição de Carnaval. 

A passagem do Bloco na Voz do Operário onde mais tarde iria decorrer o Baile da Colombina, foi assinalado com a bandeira trans empunhada pela performer activista e dj Paolle dos Santos. A homenagem foi para Keyla Brasil que não pôde estar presente. Para todas as mulheres trans e para todos os migrantes que vêem, em Lisboa, um refúgio para vidas em segurança. E Lisboa podia bem ser a capital do espírito do amor e do Carnaval, onde todas as cores e todas as pessoas pertencem para construir mais cidadania e comunidade. 

Ou como canta Caetano:

“Existe alguém em nós

Em muito dentre nós esse alguém

Que brilha mais do que milhões de sóis

E que a escuridão conhece também

Existe alguém aqui

Fundo no fundo de você de mim

Que grita para quem quiser ouvir

Quando canta assim

Eta, eta, eta, eta

É a lua, é o sol é a luz de Tieta, eta, eta, eta…

 

Álbum de fotos de Vasco Leão aqui.

Foto de capa: @MesquitaePolly

Texto de André Soares, jornalista e antropólogo