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Eríc Santos – O bailarino de Pombal, que vive no Porto e é instável geograficamente

Eríc Entrevista (500 × 375 px -  Site).png

Foi nas redes sociais que conhecemos o Eríc – com acento no i - Santos, e há muito nos perguntávamos quem era, o que fazia… e fomos descobrir através da seguinte entrevista. A sua honestidade e fluidez, tal como os seus passos de dança, cativou-nos e prendeu-nos. Por isso, quisemos conhecê-lo um pouco melhor, já que a sua maneira favorita de se expressar é com movimento, não fosse ele bailarino.

Pode ler-se na sua pequena biografia no Instagram que é “Dancer & Business Owner”, “De Pombal a viver no Porto”, o que confirma a sua origem e o local onde agora estabeleceu a sua base, mas assume-se “geograficamente instável”. Podes encontrá-lo em @santos.ao.quadrado mas também em um pouco por todo o país (vê a lista de eventos mais abaixo).

Pedimos ao Eríc que imaginasse estar numa esplanada ao sol, a beber algo do seu agrado e foi dessa forma que a entrevista fluiu, como estivéssemos a seu lado, a observar as mesmas ondas do mar, ora a avançar e a recuar, tal como a conversa. Conhece melhor o Eríc:

Éric 1.jpg

dezanove: Como te podemos tratar? Quais os teus pronomes e que siglas que usas para te definir?

Eríc Santos (ele/dele) - Eríc, com um acento no i

 

Quem é o Eríc, que nasceu em 1994 em Pombal? Como foi crescer em Pombal?

Crescer em Pombal foi doce e amargo ao mesmo tempo: relativamente à minha parte queer, não foi fácil crescer em Pombal, porque me desconhecia, pensava que era a única pessoa e não tinha termos para definir a minha sexualidade e identidade…. Pensava que tinha problemas em amar. O facto de ser diferente dos que estavam ao meu redor fez-me fechar muito e tentar passar despercebido, ao mesmo tempo que não conseguia, porque quando a dança entra na minha vida em 2006 mete-me no centro das atenções.

 

O que guardas de especial de Pombal? 

Guardo muito poucas amizades, talvez 3 ou 4. Guardo também uma tour de espectáculos de dança e concertos pelo distrito de Leiria. Dos 14 aos 17 anos fiz parte de um grupo de dança "Fly High" e também de duas bandas de garagem. Fui também federado em basquetebol. Fui jogar ao Pavilhão Atlântico uma vez… 

 

E o que não recomendarias a ninguém passar?

Na verdade, é o que as pessoas passam e como saem dessas situações que lhes define o carácter. Existem situações que não precisava de ter passado, mas isso iria alterar a minha pessoa de hoje e eu gosto da pessoa em que me tornei e na pessoa em que continuo a tornar. Faço um exercício contínuo de tentar não julgar, de ouvir, de dar a mão, de tentar ter empatia, de olhar de forma terna, ou de entrar com um sorriso. A discriminação que senti em Pombal e a forma que algumas pessoas me tratavam serviu-me de exemplo para entender que esse era o tipo de pessoa que eu jamais iria ser para os outros.

 

O que dirias à criança que foste? E a todas as crianças LGBTQIA de hoje ou do passado que vivem ou viveram em Pombal?

É muito diferente ser criança hoje em Pombal do que na altura. Existe uma consciência diferente e também existe a internet. Não faço ideia o que diria a mim. Ainda me trago. Não me despeguei dos meus eus. Já passou muito tempo, mas eu sinto que não passou muito tempo. Se calhar respondo melhor daqui a 10 anos.

 

E o Eríc artista, quando surge?

Para mim arte é ruptura, é questionamento, é risco e atrevimento, com uma almofada por baixo. As minhas outras formas de falar, que não verbais, sempre se ouviram mais do que as minhas palavras, então, isto de falar de outras maneiras já vem desde que me lembro. É daqui que surge o Eríc artista, dessa necessidade de falar de outras maneiras. Lembro-me de ir para a ginástica acrobática de patins, sempre de patins… e atravessava Pombal de uma ponta à outra, quando mais ninguém fazia aquilo. Às tantas, as pessoas já sabiam que era eu, o menino dos patins…. Passava pelo Halfpipe, depois descalçava os patins quando chegava ao pavilhão e pisava logo o praticável de meias. Eu procurava criar estes momentos e ser esta pessoa que fazia o que mais ninguém fazia, pode até parecer algo comum, mas na altura em Pombal já era ser diferente.

 

Há alguma diferença entre os dois Eríc 's, a pessoa e o artista? O que é que um te ensinou ao outro e vice-versa?

Não existem dois Erícs, existe um, e essa unidade é uma multiplicidade. A maneira como penso e sou está em todas as minhas áreas. Posso pensar de forma diferente amanhã... Na verdade, todas estas perguntas teriam respostas diferentes amanhã. Mas reflectindo um pouco, sinto que existe um Eríc em palco que encontra um pouco mais de coragem mas depende da fase de vida em que está. Já tive fases mais corajosas. Um diz fica e o outro diz vai… binariamente respondendo.

 

Como é que a dança surgiu na tua vida e o que é que ela te deu?

“Shakira - Hips Don't Lie” e “Boss AC - Hip Hop Sou Eu e És Tu”, foram as músicas que estavam a passar naquele ano e que eventualmente levaram a que o meu corpo respondesse. Logo a seguir, estava a acontecer a segunda temporada de Morangos com Açúcar e o primeiro concerto dos D'zrt foi em Pombal. Disse à minha mãe que queria "fazer Hip Hop" e ela inscreve-me num ginásio que tinha aulas de Hip Hop. No início a dança deu-me status e segurança. 

 

Como é que o mundo do Hip Hop e das battles te deram uma razão para lutar pela tua vida e fizeram com que nunca desistisses?

As battles eram o único sítio onde me identificava, mais nada fazia sentido. Havia coisas que fazia por fazer, e as battles eu ia para provar que também tinha lugar no mundo… E se por um lado estava a ser discriminado na escola, nas battles estava a ser aceite.

 

As battles eu ia para provar que também tinha lugar no mundo…se por um lado estava a ser discriminado na escola, nas battles estava a ser aceite.

 

Como foi vir para Lisboa estudar dança?

Foi um objectivo de vida alcançado. Foi finalmente poder respirar melhor. Foi encontrar comunidade e procurar independência. 

 

Porque é que a independência financeira foi uma das tuas prioridades?

Precisava de agarrar a minha vida, com muita urgência e sendo dependente financeiramente deixava-me inseguro, exposto a manipulações, limitava-me. O dinheiro é um tema tabu e a comunidade LGBTQIA+ muito facilmente coloca-se num lugar de dependência… e ser dependente e queer não é fácil, então há 15 anos ainda menos.

 

Foi aqui que iniciaste a tua vida profissional. Fala-nos do teu percurso, do que sentiste ao trabalhar antigo bar Sétimo Céu no Bairro alto, no Trumps e nas festas Society e do facto de trabalhares em festas direccionadas ao público feminino lésbico.

Trabalhar no Sétimo Céu, surgiu numa altura em que acabei a Licenciatura em Dança e queria continuar em Lisboa, mas não queria o dinheiro dos meus pais. Fui entregar currículos para o Bairro Alto. E o Júlio (antigo bar Sétimo Céu e dono do actual SIDE) fez-me a proposta. Guardo aquele bar na minha memória e no meu coração. Ali aprendi a comunicar também com palavras e não só por movimentos, além de conseguir fazê-lo com pessoas de diferentes países. Fazia tudo por aquele bar. O Júlio pagava-me uma base mais comissão, o que eu agradeço muito porque me fez perceber que eu tinha mais capacidades do que aquelas que eu sabia que teria.

O Trumps foi um seguimento: tinha trabalhado no festival Hot Season 2015, ainda antes de trabalhar para o Sétimo Céu e o Marco Mercier (dono do Trumps) gostou da minha forma de trabalhar, pelo que quando o Sétimo Céu fechou, passei para o Trumps.

As festas Society surgiram a meio do período do Sétimo Céu. Foram feitas duas pré-festas lá. Nessa altura levantar essa bandeira (de mulher lésbica) foi necessário para mim - hoje levanto outra - e senti que era um serviço também - "Be out and proud!", numa altura em que muitas leis ainda não tinham sido aprovadas.

Mais tarde foi-me feita a proposta para, em conjunto com outra pessoa, abrir o bar Society, mas não correu bem.

Isto tudo aconteceu entre 2015 e 2018, onde primeiro senti que tinha encontrado a minha comunidade, mas no fim senti que não pertencia mais ali, contudo admito que vivi dos melhores momentos da minha vida.

Que estilos de dança mais gostas e porquê?

Existem dias em que o meu corpo contrai, outros em que flui. Uns dias é mais sobre pernas e noutros tudo começa pelos ombros.

Eu comecei com estilos definidos, mas hoje não sei dar nome à linguagem que me é confortável, pois sinto que fiquei com restos, com marcas, com memórias. É a minha dança contemporânea sempre pronta a batalhar, porque sinto que a atitude das battles ficou impressa.

 

Como é o teu dia-a-dia? Como te preparas para os eventos?

Sou uma pessoa muito random e também gosto de coisas muito específicas. O dia-a-dia depende do sítio em que estou e do que estou a fazer. A dança não é a única área na minha vida.

Neste momento existem dias onde vou para a Instável - centro coreográfico (Escola de Dança no Porto), outros em que vou para espectáculo, outros em que vou para battles, outros em que tenho reuniões de negócio. Então, acordo, como e desloco-me e aqueço o corpo se necessário.

 

Enquanto activista, como foi pertencer ao movimento LGBTI de Leiria?

Eu ainda pertenço, no entanto, neste momento não estou muito activo… O convite surgiu em 2019, quando estive a fazer muitas paragens por Leiria. Tinha "abandonado" a comunidade queer em Lisboa então ficou um certo vazio activista por preencher.

Todo o distrito de Leiria sempre foi muito difícil para uma pessoa queer viver. Há uns 20 anos existiam muitos bares em Leiria que acabaram por fechar. Hoje só existe o Glitz, no entanto é sempre tudo nocturno. O movimento veio para responder à comunidade LGBTQIA+ de Leiria de outras formas. Também existimos de dia e isso levou-nos a criar várias actividades sendo uma delas a marcha do orgulho. Este ano vamos para a terceira, a 24 Setembro.

 

Neste momento estás no Porto a viver… Onde te podemos encontrar a trabalhar?

A base agora é o Porto, sim, porque tenho de viver em algum sítio. Mas ando por aí. Quem me segue no Instagram @santos.ao.quadrado, sabe onde ando, porque aviso sempre. Não trabalho num sítio fixo. 

 

O que te faz saltar de cidade em cidade? Alguma vez pensaste em sair do país ou voltar a Pombal? 

O trabalho faz-me saltar de cidade em cidade, porque tomo essa decisão. Eu estive a viver na Holanda durante meio ano e passei já algum tempo em França. O Bisonte é uma peça que circula fora de Portugal. Voltar a Pombal não me faz sentido agora. Não sei se alguma vez fará. Vou lá visitar os meus pais e a minha irmã.

 

Estás à procura de alguma coisa em concreto ou simplesmente és mais feliz a explorar vários locais do país?

Sim, estou à minha procura. Quero me conhecer mais. Tenho curiosidade em mim e procuro um estilo de vida melhor onde posso ter um bom equilíbrio entre tempo e dinheiro. Para muitos uma utopia, mas eu acredito. Explorar vários locais não é o foco ou a prioridade, mas sim o que faço nesses locais. Acontece muitas vezes só conhecer o aeroporto e o teatro de x cidade. Às vezes consigo ter tempo para visitar, mas o que me leva ao local é sempre algo específico. Não procuro felicidade... Muitos de nós fazemos algo para sermos felizes, mas eu sinto que funciona ao contrário: primeiro decidimos ser felizes e as nossas acções vão ser alinhadas ao que decidimos. Ou seja, somos, fazemos e temos. E muitas vezes queremos primeiro ter, para depois fazer, para no fim sermos felizes.

 

Que pessoas tens na tua vida que te conferem uma rede de suporte e amparo?

Sei que tenho muitas pessoas com quem posso contar para áreas diferentes. Existem pessoas que conhecem uma parte da minha vida e outras que conhecem melhor outra, mas a minha maior rede de suporte sou eu.

 

Quais são os teus planos a curto, médio e longo prazo? Como está a correr o teu ano?

Não vou dizer os meus planos. Sinto que existem conversas que se devem ter numa esplanada a beber café. Não gosto que me conheçam de uma vez. É possível que tenha dito algumas verdades incompletas algures na entrevista. Tenho muito para contar, mas as vezes esqueço-me de algumas partes da minha vida e é na conversa corrida que me vou lembrando à medida que os temas fluem.

 

Onde podemos ver-te a actuar?

Apresentei o "Baque" da Gaya de Medeiros no TBA em Lisboa nos dias 5 e 6 de Junho;

Dia 16 e 18 do mesmo mês estreei o meu primeiro solo “GA” no âmbito do festival Ou.kupa, com curadoria da Piny – “GA” é um “work in progresso” para este ano e para o próximo, pelo que quero contunuar a trabalhar neste solo porque encontrei um paralelismo entre a técnica de Locking e a gaguez, querendo desenvolver e explorar melhor esta relação.

Depois em Setembro estreio "trans*performatividade" da Aura da Fonseca, no Porto; em Outubro tenho "Bisonte" do Marco da Silva Ferreira na Polónia; já em Novembro, dia 4, novamente, mas em Santa Maria da Feira.

Estou na procura de mais projectos, portanto vou avisando pelas redes sociais sempre que algo surja :)

 

Entrevista de M. Pimentel Santos