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Nem na mata se encontram histórias assim

Maria Rueff: "Não andem com a história para trás"

maria rueff

Na noite em que foi distinguida pelo Finalmente Club com o Troféu Artes Cénicas, Maria Rueff falou com o dezanove.pt sobre Liberdade.

dezanove: O que é que este prémio significa para si?
Maria Rueff: No ano dos 50 anos do 25 de Abril, para mim significa um reconhecimento de liberdade. Eu acho que pautei a minha carreira tentando, com os meus bonecos, de alguma forma, trabalhar a herança de Abril no sentido de sermos livres, um bocadinho do "vive e deixa viver". E tenho, obviamente, muitas personagens, duas que me tocam especialmente, o Nélio e Idália e a Lili La Berdajose, que foi um travesti. Ainda não se falava sequer na aprovação da lei, nem de coisa nenhuma. E foi muito comovente porque nessa noite vim justamente ao Finalmente e foi maravilhoso! Fui muito bem recebida e comovi-me muito. Porque eu sempre disse, eu comecei a fazer, para além de conservatório, teatro e muita da minha inspiração vem desta arte do burlesco, do travesti cómico. Tenho duas pessoas que admiro, Nany Petrova, que ainda hoje mantém, no Porto, nesta difícil arte de fazer rir e a Lydia Barloff e agora o Fernando Santos também. Nisto há uma coisa magnífica que é, não importa o tamanho da sala, importa sempre, o rigor como se fosse Broadway, uma estreia, fossem três mil pessoas a assistir.
Eu devo-lhes muito por poder observá-los. Portanto, comove-me francamente muito este prémio este ano.
 
Relembra Lili La Bardajouse: 

Relembra ainda o Nélio e Idália aqui.


Aos seus olhos, de que forma é que a sociedade portuguesa foi evoluindo para mais liberdade e para mais capacidade das pessoas serem aquilo que realmente querem ser?
Eu acho que nós fomos evoluindo na lei, e orgulho-me muito porque foi na minha geração, aliás, um dos construtores da lei do casamento entre pessoas do mesmo género, é um amigo meu do liceu, o Sérgio Sousa Pinto, e obviamente que na nossa associação este um tema, porque lá está, sentíamos-nos herdeiros de Abril, portanto tudo o que não estava ainda cumprir sobre a igualdade. Sinto que houve uma enorme evolução na lei portuguesa, mas a sociedade não terá acompanhado, melhor dizendo, acompanhou em alguns centros urbanos, mas sinto que há zonas do país onde, pelo contrário, houve um retrocesso na homofobia, no machismo, na misoginia também, vejo infelizmente racismo, vejo infelizmente muitos Nélios e Dálias com 30 anos a entrar no armário exactamente na altura em que já nem devia ser assunto. A minha única tristeza é essa é perceber que se lutou, que a lei está lá e que o espírito não avançou. É como o dia da mulher, que só existe porque infelizmente ainda é preciso marcar que a mulher não recebe os mesmos salários, que ainda é vítima de violência doméstica, mesmo na comédia uma mulher tem que mostrar triplamente do que qualquer outro artista.
 
Sinto que houve uma enorme evolução na lei portuguesa, mas a sociedade não terá acompanhado, melhor dizendo, acompanhou em alguns centros urbanos, mas sinto que há zonas do país onde, pelo contrário, houve um retrocesso na homofobia, no machismo, na misoginia também, vejo infelizmente racismo, vejo infelizmente muitos Nélios e Dálias com 30 anos a entrar no armário exactamente na altura em que já nem devia ser assunto.


A Maria Rueff acha que pelo facto de ter a sua exposição mediática pode ajudar a contribuir para esse caminho desse Abril que ainda falta fazer?
Espero sim porque a necessidade do humor nasceu em mim  como na Mafaldinha. Era o meu livro de cabeceira. A Mafalda contestatária, aliás eu não entrei em direito por uma décima, portanto é sempre esse o meu lado revolucionário digamos assim, sem presunção de querer transformar ou questionar a cidadania de algum equilíbrio social antropológico, filosófico ou ético.  Se isso dá visibilidade vocês é que terão de dizer, mas acho importante as figuras públicas terem esse compromisso ético com a cidadania. Acho que nós todos temos essa obrigação de deixar o espaço, não só figuras públicas, mas na nossa casa, no nosso pequenino ecossistema, na nossa comunidade,  na nossa família com uma atitude ética ou, pelo menos, pensarmos sobre isso. É  uma herança que deixamos até no ADN. Como exemplo alguém vai dizer a minha mãe era boa ,a minha avó era boa, vou tentar também ser melhor e, portanto, e eu também honro os meus pais que eram absolutamente seres à frente do seu tempo, muito open mind. Lembro-me que um dos grandes programas favoritos deles os dois era ir à revista à noite e a seguir a um espectáculo de travesti. Usava-se muito isso uma noite para rir de princípio ao fim. Lá está, sendo que todos os actores que já foram mal vistos. Os meus pais inclusive disseram-me "vai para o teatro que é o teu sonho!", o que é muito invulgar na minha geração.

Uma mensagem para as novas gerações, muitas delas com medo sobre o futuro, muitas vezes rearmarizam-se, muitas vezes têm ansiedade, têm medos... que mensagem é que deixa deste dia em que recebe este troféu?
Deixo essa mensagem de pensarem sempre na coragem imensa que toda a gente teve, repare-se no que se evoluiu: um homossexual era hospitalizado, era preso, estou a dizer em termos da lei portuguesa... tudo foi avançando com uma enorme coragem física, inclusive, a bravura dos travestis que são seres de uma profunda coragem física, moral, ética e eu venho aqui respeitar todos esses que nos antecederam que pagaram com muita dor. Portanto quanto mais não seja em homenagem a essa bravura desses homens, por favor, não andem com a história para trás. É só isto, muito obrigada!

Entrevista de André Soares
Edição: Paulo Monteiro
Foto: Finalmente Club