Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Dezanove
A Saber

Em Portugal e no Mundo

A Fazer

Boas ideias para dentro e fora de casa

A Cuidar

As melhores dicas para uma vida ‘cool’ e saudável

A Ver

As imagens e os vídeos do momento

Praia 19

Nem na mata se encontram histórias assim

Processo de Humanização em Curso: o livro

Processo de Humanização em Curso livro diogo faro

“Entendemos e aceitarmos o outro é sempre entendermo-nos e aceitarmo-nos a nós  próprios: quanto mais compreendermos a diferença nos outros, melhor nos conhecemos e  compreendemos a nós.”  - Diogo Faro 

“Processo de Humanização em Curso”, é a mais recente obra do humorista, activista e  cronista, Diogo Faro, também conhecido e sobejamente polémico nas redes sociais por  “Sensivelmente Idiota”. Uma obra que no início deste ano deu aso a uma digressão de  espectáculos de stand up pelo país e que através de um registo pessoal, autobiográfico,  do seu “lugar de fala”, Faro, nos convida a reflectir sobre problemas políticos, económicos,  sociais e culturais sistémicos e estruturais e que, ainda que muitas vezes passados  despercebidos socialmente, afetam invariavelmente a vida de tod@s nós. 

Em oito capítulos principais, num total de duzentas céleres páginas, Faro convida-nos a  reflectir sobre temas geralmente pouco queridos ou até renegados como: as desigualdades  económicas; a emergência climática; o retorno dos fascismos e a ascensão dos  populismos e extrema direita; do espectro das formas de opressão protagonizadas pelo  racismo, machismo e homofobia; do preconceito e invisibilidade contra pessoas com  necessidades especiais, entre outras questões que embora sejam “individuais” e  experienciadas de forma diversa por grupos sociais historicamente oprimidos, não nos  devem deixar de suscitar atenção, interesse e até incómodo (ênfase). Acredito que, para  quem não é alheio a estas temáticas, através da escrita irónica e satírica do autor, se  tenha não só revisto em descrições particulares citadas pelo autor como até lançado certa  gargalhada ou sorriso entre provocações e piadas gráficas, mais ou menos coerentes ao  longo do texto. 

Partindo do contexto português, um dado importante na contextualização dos  argumentos-chave da obra, sobretudo no que diz respeito ao capítulo “o eterno retorno  dos fascismos” (a partir da obra de Rob Riemen), Faro fala-nos sobre poder, privilégio e preconceito, mostrando-nos a partir do seu próprio exemplo, enquanto homem  cisgénero, branco, heterossexual e de classe média. Fala-nos da necessidade em sermos  capazes de reconhecer, entre as diferenças e dificuldades que cada um experencia, o privilégio que também possuímos (e a lista de privilégios pode também ser  indeterminável), de forma a não só tornar-mos inteligíveis as experiências de pessoas oprimidas por um sistema capitalista, colonialista e patriarcal, como é Portugal, como em  sermos capazes de nos tornar-mos aliados na tarefa de alcançar uma sociedade mais  justa para tod@s sem discrição. 

Ainda, entre as diferentes e pertinentes provocações lançadas ao longo das questões  anunciadas, convém ressalvar que esta não é uma obra académica, não é um manual  para activistas, tampouco um livro de piadas secas sobre assuntos sérios, é na verdade,  um livro que oferece um conjunto de reflexões e considerações interseccionais que nos  mostra como todas elas estão de alguma forma interligadas. Também, não apresentando  soluções, mostra como a solução mais óbvia passa pela mudança do comportamento  individualista, infligido pelo capitalismo, para uma atitude de reflexão e acção colectiva solidária. Esta foi, sem sombra de dúvidas, das questões que mais marcaram a minha  leitura, no qual reitero a pergunta: “Como podemos passar a identificar-nos uns com  os outros pelos valores que defendemos e não pelas marcas que usamos?”. Quem  diz marcas diz o bairro em que vive, o trabalho/profissão que desempenha, os estudos  académicos que alcançou, o parentesco, etc. etc. Acredito que a resposta a esta questão  possa personificar a solução para grande maioria das considerações interseccionais mencionadas. 

Para concluir, não deixando de partilhar um último reparo, à medida que nos aproximamos dos últimos capítulos, considerando a importância de cada tema de uma  forma horizontal e não a prioridade selectiva de cada um, percebemos que o foco de  argumentação começa a perder certa força quando comparados com as exposições  iniciais, podendo revelar ou menor proximidade com estes ou, talvez, em jeito de surpresa  para um próximo trabalho. Confesso que gostaria de ver as questões relativas ao capacitismo e diversidade funcional melhor exploradas, se é que queremos levar adiante  a ideia de interseccionalidade. 

Torna-te aquilo que és”, conceito de Friedrich Nietzsche, em Ecce Homo (1908), citado  por Faro e que ilustra a importância da reflexão, da informação e do autoconhecimento  para a transcendência pessoal, para a acção em prol do bem comum e de um mundo melhor, este, é sem dúvida, pelo menos para mim, a constituição de um “processo de  humanização em curso”. 

 

Processo de Humanização em Curso 

de Diogo Faro 

ISBN: 9789897842580 

Editor: Objetiva 

Ano: 2021 

Idioma: Português 

Páginas: 224 

Preço: 15,50€ 

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.