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Corpos que Contam – Os limites discursivos do “sexo” de Judith Butler

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“Defender que o sexo já tem género, que já é construído, não explica como se produz forçosamente a «materialidade» do sexo. Com que restrições se materializam os corpos como «sexuados», como entenderemos a «matéria» do sexo e, de maneira mais ampla, a dos corpos como repetida e violenta circunscrição da inteligibilidade cultural? Que corpos se materializam e contam (matter], e porquê?” - Judith Butler, Corpos que Contam (Orfeu Negro, 2023)


Judith Butler é um nome que dispensa apresentações. Sendo uma das teóricas Queer feministas mais influentes da contemporaneidade, desconstruindo discursos normativos sobre género e sexualidade, a autora  tem mostrado uma reflexão intensa e pertinente sobre a diversidade da identidade e relações humanas assim como da necessária subversão de normas que limitam a liberdade sexual e ontológica dos indivíduos.  

Nesta obra, “Corpos que Contam” (1993), traduzida recentemente para português por Nuno Quintas e Orfeu Negro (2023), a autora dá continuidade à reflexão iniciada na sua aclamada obra “Problemas de Género” (1990). Recordemos que em “Problemas de Género” Butler traz-nos o conceito de “performatividade de género”, conceito que versa como o género é construído e situado culturalmente a partir da repetição de práticas, rituais e discursos, e não biologicamente determinado como condição inata à “natureza” humana, lançando a crítica aos modelos normativos que definem a identidades através das características sexuais e que as moldam ao longo das suas existências com o intuito de as tornar “úteis e dóceis”.

Mostrando as formas de exclusão e violência para com identidades “abjectas” - aquelas que não se identificando com as normas biológicas em torno das categorias sexo/género são afastadas do reconhecimento da autonomia, integridade e inteligibilidade humana -, a autora traz-nos um conjunto de inquietações sobre as formas como determinados corpos e existências são tornados ilegítimos, invisíveis e inabitáveis da vida social - como são as identidades Queer - por regimes de produção que controlam e regulam a materialidade dos corpos: “como se dá a deslegitimação  de  determinados  modos  de  existência  e  as  formas  como certas identidades e orientações sexuais se tornam ilegítimas, inviabilizando, inclusive, a vida de determinados corpos, que são marcados como inferiores por  estarem  fora  do  padrão  estabelecido  socialmente?”.

Butler mostra-nos como a materialidade do sexo permite que um corpo permaneça dentro ou fora da inteligibilidade cultural conforme a sua capacidade de adaptação e reprodução às normas e padrões sociais. Neste sentido, as identidades “abjectas” e/ou Queer, são vistas como elementos indispensáveis à crítica reflexiva sobre a instabilidade das normas hegemónicas e da desconstrução de narrativas contemporâneas que excluem os corpos não binários, trans, intersexo, corpos com deficiência ou “disfuncionais” da possibilidade de agenciamento e empoderamento. Segundo a autora, a “abjecção”, enquanto termo degradante pode emergir como “uma matéria crítica de interesse” para dar continuidade à democratização da política queer e ampliar a inteligibilidade dos corpos que importam.

Esta é uma obra que se debruçando sobre os limites discursivos do corpo, da possibilidade de novas concepções democráticas que reconheçam a diferença e diversidade de corpos e vivências que habitam a vida social, mostra ser central no pensamento teórico e político feminista actual.

 

ISBN:  9789899071711 

Editor: Orfeu Negro

Páginas: 392


Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.