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Nem na mata se encontram histórias assim

"Nos últimos anos, o egoísmo tem vindo a ultrapassar a empatia"

hélder bértolo

Há 50 anos, a 13 de Maio de 1974, poucas semanas após o 25 de Abril, o Movimento de Acção Homossexual Revolucionária, publicava o Manifesto «Liberdade para as Minorias Sexuais», de que o fundador da Opus Diversidades (ex-Opus Gay), António Serzedelo, era um dos subscritores.

 

Reivindicava-se, entre outras coisas, a possibilidade de gays e lésbicas participarem em movimentos políticos, a descriminalização da homossexualidade, o combate à chantagem e à perseguição, educação sexual nas escolas. 

Houve indignação geral, manifestações públicas e o General Galvão de Melo, da Junta de Salvação, condenou «a ignóbil transcrição em jornais, que estão ao alcance de qualquer criança, do comunicado das prostitutas e dos homossexuais, numa demonstração de imoralidade sem precedentes em qualquer país em que a família e a moral existem ainda com valores!»

Afinal, a revolução não era para prostitutas nem homossexuais.

Afinal, a democracia não era para todas as pessoas. 

Nem a descolonização nem o desenvolvimento.

E havia um D oculto: o da Discriminação. Que persiste!

E o D da descriminalização só se concretizou passados 8 anos, em 1982. E não de forma plena.

E faltava abraçar outro D: o da Diversidade!

Dizia Audre Lorde que «não são as nossas diferenças que nos dividem. É a nossa incapacidade de reconhecer, aceitar e celebrar essas diferenças».

Também é isso que a Natureza nos ensina: a diversidade é uma mais-valia, enquanto a perda de graus de liberdade é sinal de alerta.

A diversidade é uma mais-valia, enquanto a perda de graus de liberdade é sinal de alerta.

Então por que teimamos em não abraçar a Diversidade? Porquê a falta de empatia, de acolhimento, de disponibilidade para ouvir quem é diferente? Quando, felizmente, somos todas diferentes umas das outras. 

Os direitos adquiridos não são eternos nem garantidos, as conquistas, obtidas com tanto custo, são instáveis… e, no entanto, muitas pessoas LGBTQIA+ parecem esquecer-se disso.

Não é necessário recorrer aos discursos de ódio da extrema-direita para encontrar ataques ao simples direito a existir. O egoísmo e a falta de memória no seio da população LGBTQIA+ são uma realidade. Inaceitável e incompreensível, mas, ainda assim, uma realidade.

Egoísmo e a falta de memória no seio da população LGBTQIA+ são uma realidade. Inaceitável e incompreensível, mas, ainda assim, uma realidade.

Ouvir (sobretudo) homens gays, mas também algumas mulheres lésbicas, indiferentes ao seu privilégio e aos direitos adquiridos, agredirem e ridicularizarem pessoas trans e de género diverso, exigindo-lhes recato, que «não dêem pinta», culpabilizando-as por eventuais perdas de direitos, com os mesmos argumentos imbecis com que nos anos 80 e 90 se agrediam as pessoas homossexuais. Que perguntam por que motivo não voltamos todas a ser comunidade gay, que questionam a visibilidade e o direito à existência das identidades de género e a protecção das características sexuais.

Recentemente, uma pessoa não-binária entrou num programa de televisão. Em vez de celebrar esse facto, de, eventualmente, aproveitar a oportunidade para esclarecer dúvidas, algumas pessoas LGBTQIA+ preferiram ridicularizá-la com discursos «a la Maria Vieira».

Em vez de celebrar esse facto, de, eventualmente, aproveitar a oportunidade para esclarecer dúvidas, algumas pessoas LGBTQIA+ preferiram ridicularizá-la com discursos «a la Maria Vieira».

Haver visibilidade, apresentar modelos e histórias positivas, tem muitas vantagens. Para além da identificação com outras pessoas que partilham características semelhantes, essencial para que ninguém se sinta ave-rara, doente, anormal, quando, por exemplo, alguém LGBTQIA+ se assumir e for questionada «e agora? o que vai ser de ti?, o que é que as outras pessoas vão dizer?...» vai poder responder com exemplos de vidas que são casos de sucesso. Não apenas por serem cientistas de renome, escritoras e artistas conhecidas, detentoras de cargos políticos relevantes, mas por viverem as suas vidas como querem, de acordo com as suas identidades, dentro ou fora de relações, com ou sem crianças, existindo e ocupando o espaço público tal como todas as outras pessoas. Tal como a democracia permite.

Mas, aparentemente, para algumas pessoas LGBTQIA+, tal como para o General Galvão de Melo, a democracia, afinal, não é para todas as pessoas. 

Já têm direito ao casamento, à adopção e à co-adopção, à dádiva de sangue, por que raio hão-de estar preocupadas com os direitos que as pessoas trans e de género diverso ainda não têm, em vez de se juntarem à luta? 

Nos últimos anos, o egoísmo tem vindo a ultrapassar a empatia. Não é a primeira vez que isso sucede. Conhecemos o desfecho. Saibamos, pois, ter memória e inverter a tendência.

Para que Abril, como dizia Sophia, seja a madrugada esperada por todas as pessoas, em que todas possam emergir da noite e do silêncio e habitar livremente a substância do tempo.

 

Hélder Bértolo, Presidente da Opus Diversidades