Que Europa LGBTQI+ é esta?
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” Art. 1º, DUDH
Celebra-se hoje, em Portugal e por todo o mundo, o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia (IDAHOTB). Um dia que relembra a remoção da Homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) enquanto tema relativo aos “Transtornos Mentais”.
Graças a esta conquista, temos assistido nos últimos 32 anos, um pouco por todo o mundo, a avanços significativos no campo da cidadania íntima e sexual, através do reconhecimento legal da orientação sexual e da identidade de género enquanto princípios dos direitos humanos.
Em Portugal, graças à força dos activismos feministas e LGBTQI+, com o apoio de partidos de esquerda, registaram-se avanços jurídicos significativos nos últimos 20 anos. Alguns deles, dianteiros na cena internacional, como foi a lei de identidade de género em 2011. Esta lei criava o procedimento de mudança da menção de sexo e de nome próprio no registo civil, sem necessidade de procedimentos médicos que justificassem a "perturbação de identidade de género”. Mais tarde, em 2018, veríamos o avanço desta lei com a despatologização da transexualidade e da protecção de características sexuais de crianças intersexuais. Outras conquistas, poderiam ser apontadas, o casamento (2010), a adopção (2016), a Procriação Medicamente Assistida (2016), a dádiva de sangue (2021), entre outras leis que determinaram a vida de milhares de portugueses.
Passados 30 anos da despatologização da homossexualidade pela OMS, são várias as conquistas jurídico-sociais alcançadas em Portugal, na Europa e no mundo. Isto é, sem sombras de dúvidas, motivo de celebração. De celebração mas também de consciencialização. Consciencialização do aspecto colectivo e de luta destas conquistas tão difíceis de adquirir. De que nada as garante e que, mais que nunca, os direitos alcançados se encontram sobe ataque. De acordo com o recente relatório da ILGA Europa sobre os direitos LGBTQI+ na Europa e Ásia Central, Portugal cai no ranking dos países da Europa ao nível dos direitos LGBTQI+, entre 2020 e 2021, passando da quarta categoria para décima. Alguns dos aspectos recomendados ao Estado Português foram a proibição das “terapias de conversão” da orientação sexual e identidade de género; a implementação de políticas de asilo que mencionem os fundamentos SOGIEC (orientação sexual, identidade de género, expressão de género, características sexuais), e o esclarecimento da proibição legal da mutilação genital de pessoas Intersexo, através de políticas que definam regras para o consentimento informado.
Outro dos aspectos preocupantes que este relatório aponta, quer em Portugal como no resto da Europa e países da Ásia Central, foi o aumento dos discursos anti LGBTQI+ entre grupos políticos conservadores e religiosos, sendo evidente o aumento dos discursos de ódio “anti-género”, “anti-Trans”, generalizados a todos os países. Os efeitos da pandemia, o aumento das disparidades sócio-económicas e a dificuldade dos Estados e ONG’s em conseguirem dar resposta às necessidades das populações mais vulneráveis voltaram a ser trazidos à tona. O governo português é recordado, aqui, pela negligencia de suporte a associações que trabalharam com grupos vulneráveis durante a pandemia, tendo apoiado 10 projectos LGBTQI+. Ao nível do reconhecimento legal de género, Portugal é também apontado entre os países onde se verificou uma estagnação, mediante a decisão do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade do decreto Nº. 7247/2019, sobre as “medidas no sistema educacional, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudos, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção de as características sexuais das pessoas”, um mandato surgido pela Lei de 2018, sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à protecção das características sexuais de cada pessoa. Convém recordar que, o pedido de fiscalização da inconstitucionalidade deste decreto foi submetido por um grupo de deputados do PSD e CDS-PP, considerando que as medidas a serem consagradas pelas escolas no âmbito do direito à autodeterminação de género e expressão de género, promovia a “ideologia de género” junto dos jovens, um dos principais argumentos opositores à oposição da autodeterminação das pessoas e jovens Trans. Os discursos em torno da “ideologia de género” são um dos canais onde a violência contra pessoas LGBTQI+ é justificada. Recordemos o caso da Hungria e a introdução da lei que proíbe a “promoção da identidade de género diferente do sexo atribuído à nascença, a mudança de sexo e a homossexualidade” para menores de 18 anos. Uma medida que pretende combater a “ideologia de género” nas escolas e que mostra ser copiada em países como a Polónia, Roménia e Eslováquia. Neste entretanto continuamos a assistir ao aumento da violência, perseguição policial e dos suicídios de jovens LGBTQI+ na Europa. Em 1990 a OMS retirava a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, no entanto a orientação sexual e a identidade de género continuam a ser motivo de perseguição e morte. Desta forma pergunto, que Europa LGBTQI+ é esta? Precisamos de consciencializar para a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia? Agora e com mais força que nunca.
Ranking Europeu 2021 - Fonte: ILGA Europe
Ranking Europeu 2022 - Fonte: ILGA Europe
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.