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Os direitos humanos e as pessoas LGBTI+ num ano marcado pela pandemia COVID-19

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A 10ª edição do relatório anual da ILGA Europa, que se dedica a documentar o progresso e tendência em relação à situação dos direitos humanos das pessoas LGBTI+ na Europa e Ásia Central em questões como os direitos das pessoas trans, intersexo e famílias arco-íris, foi divulgado esta terça-feira, dia 16 de Fevereiro, oferecendo-nos uma visão dos acontecimentos ao longo do ano de 2020 sobre o ambiente pandémico e emergências causadas pela COVID-19.

Neste documento podemos encontrar-nos com a realidade das pessoas LGBTI+ em 54 países, da Albânia e o Uzbequistão. O relatório anual mostra-nos os avanços e recuos do ponto de vista político e dos quotidianos destas pessoas durante o ano pandémico de 2020. Entre a propagação dos discursos de ódio e de perseguição, dos ataques à liberdade de expressão e reunião, da oposição aos direitos das pessoas trans, da estagnação e retrocesso legislativo no que toca ao reconhecimento legal de género, da precariedade laboral e social por falta de medidas de apoio institucional, são muitas as novas dificuldades percebidas pelas pessoas LGBTI+ no último ano.

 

Aspectos negativos

Entre meios de comunicação social e digital ou por via da repressão policial em eventos públicos, os discursos de ódio contra pessoas LGBTI+ parecem ter vindo a ganhar força, por parte de forças políticas e por grupos religiosos, que não só atacavam verbalmente as pessoas LGBTI+ como agora as culpabilizam pela propagação do vírus SARS-COV-2. O relatório mostra-nos que a tendência dos políticos em atacar verbalmente pessoas LGBTI cresceu consideravelmente em países como a Albânia, Azerbaijão, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, República Checa, Estónia, Finlândia, Hungria, Itália, Kosovo, Letónia, Moldávia, Macedónia do Norte, Polónia, Rússia, Eslováquia e Turquia. Ao mesmo tempo líderes religiosos propagaram discursos de ódio em países como a Bielorrússia, Grécia, Eslováquia, Turquia e Ucrânia culpando as pessoas LGBTI pela tragédia causada pela COVID-19.

Entre a motivação de discursos de ódio recorrentes surgem países como a Geórgia, Irlanda, Holanda, Macedónia do Norte, Portugal, Roménia, Eslováquia, Espanha e Reino Unido levando a que muitos tribunais e instituições governamentais, ao nível da UE, se comecem a preocupar com a criação de regulamentação de formas de combate e vigilância ao discurso de ódio nos diferentes canais em que este se reproduz.

Os ataques à liberdade de expressão e reunião em países como a Polónia e Hungria, países já vigiados pelos episódios crescentes de perseguição a pessoas LGBTI+ e pelo retrocesso nas leis de interrupção voluntária da gravidez, parecem agora multiplicar-se um pouco por toda a Europa e Ásia Central. Países como Azerbaijão, Bielorrússia, Bulgária, França, Grécia e Turquia mostram também situações de repressão e violência policial contra manifestações LGBTI+ pacíficas, surgindo o receio de que estes governos sigam os mesmos passos dados pela Polónia e Hungria.    

De importância não menor é o cancelamento dos eventos de Orgulho como as Marchas e Arraiais LGBTI+ que mostram um impacto na visibilidade de pessoas e comunidade LGBTI+ no espaço público, um impacto que poderá apenas ser avaliado após a pandemia.

Segundo o relatório, mediante o reconhecimento legal de género, as pessoas trans foram as que se viram mais perseguidas no decorrer de 2020 tendo aumentado o crescimento da oposição dos direitos trans em países como a Áustria, Croácia, Finlândia, Hungria, Lituânia, Rússia, Eslováquia e Eslovénia e Reino Unido, e uma estagnação legislativa na Alemanha, Andorra, Chipre, República Checa, Geórgia, Alemanha, Kosovo, Montenegro, Macedónia do Norte e Suécia. Países em que as forças de oposição se demarcam com discursos transfóbicos baseados no aparente prejuízo dos direitos das mulheres ou da protecção de menores:

“Em muitos desses países, as forças da oposição levantaram o tom do discurso, fingindo que promover a protecção contra a discriminação e a autodeterminação das pessoas trans prejudicaria os direitos das mulheres ou a protecção de menores”.

 

Aspectos positivos

Mas, mostrando que nem todo o cenário do passado ano de 2020 foi de tal forma apocalíptico, o relatório mostra-nos o esforço de solidariedade e reforço das redes de entreajuda social mediante a pandemia, reconhecendo o mérito de trabalho das associações LGBTI+ nacionais/locais nos esforços que enfrentam para responder a necessidades de alimentação e abrigo das pessoas LGBTI+ que não sendo reconhecidos pelos planos de ajuda social criados vêem as suas vidas tornar-se mais expostas ao preconceito e vulnerabilidade social.

 

Em Portugal

No que toca ao caso português, ao nível da Defesa dos Direitos Humanos e das Pessoas LGBTI+ em tempos de pandemia, a realidade não parece ser muito diferente da dos demais países da União Europeia. Este relatório mostra-nos que até meados de Setembro de 2020, a ILGA Portugal recebeu 180 pedidos de apoio em casos de violência doméstica, por perda de salários e por acções de despejo. Um total de 630 casos de violência doméstica e assaltos foram relatados em geral, desde o início da pandemia, tendo também sido documentados pela ILGA Portugal 48 crimes de ódio contra pessoas LGBTI+, neste ano.

O aumento dos discursos de ódio por parte dos meios de comunicação social, em canais online ou na via pública também mostraram crescer no país. O relatório da ILGA Europa aponta que, em Maio, dois concorrentes do reality show “Big Brother” fizeram uma série de comentários homofóbicos, racistas e sexistas para com outro concorrente gay e ainda assim foram autorizados a continuar no programa.   

Já em Junho, o Ministério Público acusou 27 neonazistas do grupo “Portugal Hammerskins” por 82 crimes cometidos contra pessoas de cor, pessoas LGBTI e comunistas. Entre as acusações incluem tentativa de homicídio, posse de arma e crimes de ódio. 

No que toca ao ensino obrigatório também são percebidos momentos de violência e discriminação nas escolas. Em Dezembro, a organização de jovens LGBTI+ rede ex aequo publicou os dados recolhidos das 162 sessões do seu Projecto Educação 2019, assinalando que 79% dos jovens testemunharam incidentes de bullying anti-LGBTI+ e que 85% achavam que as escolas deviam ter um papel mais activo na abordagem de tópicos LGBTI+. Um tema ainda tão sensível entre a opinião cívica e representantes legais.

Dentro da saúde, um estudo sobre o impacto da pandemia em jovens LGBTI+ descobriu que 60% dos entrevistados viveram experiências de angústia emocional durante o confinamento e que 35% se sentiram “extremamente sufocados” por não serem capazes de exprimir a sua identidade de género/sexual nos seus meios familiares.  

Ao longo de 2020 a sociedade civil portuguesa lançou campanhas de angariação de fundos para apoiar aqueles que foram mais afetados pela pandemia em termos de habitação, alimentação e acesso à saúde. Um exemplo de salutar descrito no relatório é o trabalho da Marcha do Orgulho de Lisboa (MOL) que lançou a campanha de arrecadação de fundos “Doar também é Marchar”. Também a angariação de fundos para a criação de uma casa para emigrantes Trans em Lisboa, denominada ‘Casa T’, mostrou ser um sucesso ainda que sem apoio institucional por não ser um grupo formalmente registado. 

Em Agosto, o parlamento português aprovou uma resolução recomendada pelo Governo de forma a fornecer apoio financeiro a organizações que trabalhem com grupos vulneráveis durante a pandemia, uma medida que revelou ainda não ter tido realização prática.

Uma das conquistas verificadas no espectro do reconhecimento legal de género foi a abolição da taxa de 200 euros para a mudança de nome, no entanto, ainda que o relatório não mencione, o reconhecimento da identidade de género ainda não é consagrada na constituição portuguesa, não existindo ainda um marcador de género neutro ou a permissão de nomes próprios neutros em Portugal, entre outras necessidades legais. 

Também as políticas de asilo a pessoas LGBTI+, os casos de assédio sexual ou a discriminação pela dádiva de sangue são algumas das metas da igualdade a alcançar em Portugal e que o relatório não especifica. Ou dentro do campo do activismo político, salientar o esforço da organização Já Marchavas na realização da única marcha LGBTI+ presencial no país, contando com colectivos e pessoas de todo o país

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A revisão anual de 2020 realizada pela ILGA-Europa sobre os direitos humanos para as pessoas LGBTI+ na Europa e na Ásia Central é um lembrete para a complexidade e fragilidade das conquistas dos direitos de igualdade de género quer na lei como na vida real, mostrando um esforço contínuo e a longo prazo, de forma a assegurar a sua existência como a dar resposta a outras necessidades, não deixando ninguém para trás. Toda a informação disponibilizada neste artigo pode ser encontrada no relatório online no site da ILGA Europa e no módulo Rainbow Europe onde também podemos encontrar informações sobre cada tópico separadamente.

 

 

Daniel Santos Morais

 

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